31.3.16

Ver o cortejo de cedros

e acreditar que é o cenário.
Depois estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder palpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.


[Fiama Hasse Pais Brandão, As Fábulas]


Michael Lange



Fiama Hasse Pais Brandão & Michael Lange I


29.3.16

a que preço está o LIKE?

se é pornografia? não.
se é belo? talvez, depende de quem olha.
se deve ser permitido o seu visionamento na rede social em questão? bem, trata-se de uma empresa privada, fará o que bem entender. se/quando lhe der jeito, com a mesma ânsia com que censura algumas fotografias, passará a incentivá-las.
se me incomoda ver? creio que me é um pouco indiferente. haverá contextos em que fará sentido.



28.3.16

capitais


será Vital Moreira o único socialista com coragem para falar o óbvio?


«Caleidóscopicos sons/ inebriam os músculos/ como doces agulhas»*

Da Ditadura Para a Democracia, assim se chama o livro que, se lido em Angola, dá penas de prisão. O livro, que facilmente se pode ler aqui (edição gentilmente cedida pela Tinta da China), foi escrito por Gene Sharp, um académico das ciências políticas, três vezes indicado a Nobel da Paz...

Quanto ao conteúdo do livro, cada um que tire as suas conclusões. Deixo só um apontamento que me parece resumir tudo. Aos jovens angolanos, desejo a melhor das sortes, ainda que descrente na mudança. Observo que, em Portugal, a classe política se mantém igual a si mesma, repugnante e viscosa, envergonhando todos os anos o cravo que põe na lapela.


     « — Este é um livro altamente subversivo. 

(António Luvualu de Carvalho, embaixador itinerante de Angola) 

   — Concordo consigo. É um livro altamente subversivo, mas em regimes totalitários. Não é subversivo em democracias. Este livro não leva ao derrube de democracias. »

(José Eduardo Agualusa, escritor)

 (Debate na RTP3, a 5 de Novembro de 2015)

27.3.16

ajudar a União Zoófila



a sugestão que lhe faço, estimado leitor, é que neste bonito período pascal, em que jesus e a natureza renascem, ofereça um dos seus cafés para ajudar a bicharada da União Zoófila.


IBAN: PT50 0033 0000 0058 0204 2235 6


inflação?

cerâmica é uma das minhas perdições, confesso.
vejamos os ovos da Vista Alegre, essa bonita fábrica a operar desde 1824. notável capacidade de adaptação aos tempos, há que dizê-lo.



ovo 2015 - 99€


Estilo:Clássico
Tipo de peça:Caixa
Tipo de Material:Porcelana
Altura:92 mm
Largura:117 mm
Comprimento:157 mm
Capacidade:
Peso sem Embalagem:200 gr




ovo 2016 - 550€

Estilo:Clássico
Tipo de peça:Caixa
Tipo de Material:Porcelana
Altura:102 mm
Largura:102 mm
Comprimento:153 mm
Capacidade:
Peso sem Embalagem:539 gr




ambos totalmente pintados à mão!
...


26.3.16

Pour More Oil






...

bom é ser odiado simetricamente por gregos e troianos
que se matem entre eles
a ver quem me odeia mais extenso e fundo:
e eu fora, citando os astros mudos:
os clássicos!


(brevíssima) Historia fantástica

Contar la historia del día en que el fin del mundo se suspendió por mal tiempo.

--

autor descaradamente roubado daqui.

Há dez anos que escrevo o mesmo poema

Há dez anos que escrevo o mesmo poema
no mesmo café.
Esta ideia arrumada nesta cadeira triste
todos os dias no mesmo sítio.
Até que me venham bater à porta
ando meio distraída nisto.

Falam-me da barbárie e dos seus irmãos brutos
mas ninguém falou ainda da flor de Coleridge
nem das pernas melancólicas dos meus amigos.

Exceptuando isto penso no imenso com os dentes.
Penso num serviço de chá e numa porta de serviço.
Penso num chão absoluto no petróleo e na lixívia.
Penso na tua cabeça enunciativa e és um Rolls
às nove e meia da noite para toda a parte comigo.

Exceptuando isto talvez não se morra e ninguém
desça à guerra e ao medo senão pelos livros.
Penso no amor e exceptuando isso está frio
e a mudança de hora e a jukebox
e contar-te os meus medos porque penso nisto há dez anos
que penso nisto.

Cruz na porta da tabacaria e o teu cabelo
cortado à escovinha.
Há dez anos que desconfio do mesmo poema


forma inteira do homem para diante
e de diante para o abismo


E poder ser livre e fumar na cama
com a excitação de arder numa linha.

É que Sócrates nunca escreveu.
Milton ao menos fingia.
No fim de contas caía bem.
Um Kropotkin e uma bica.

E convicção ser do teu signo.
Porque uma coisa nos atraía.
Fome não era adição.
Erecção não era cinismo.
Porque havia motivo para risos.

Tu nunca te atrasaste.
Tu nunca te mataste.
Porque enfim não mentiste

que há dez anos que escreves o mesmo poema


tu que só queres o sol
para descê-lo para descê-lo
ilha dos amores


no mesmo corpo no mesmo casaco
apoiado à esquerda do meu braço.




Raquel Nobre Guerra

*****



















25.3.16

bom descanso

eu e a Taeko desejamos a todos os leitores uma época pascal com muito sol nas fuças e muita coçadela da boa.






23.3.16

«Animais esféricos»





«A esfera é o mais uniforme dos corpos sólidos, dado que todos os pontos da superfície são equidistantes do centro. Por isso, e pela faculdade de girar em torno do eixo sem mudar de lugar e sem exceder os seus limites, Platão (Timeu, 33) aprovou a decisão do Demiurgo, que deu forma esférica ao mundo. Julgou que o mundo era um ser vivo e, nas Leis (898), afirmou que os planetas e as estrelas também o eram. Dotou assim a zoologia fantástica de muitos Animais Esféricos e censurou os torpes astrónomos por não quererem entender que o movimento circular dos corpos celestes era espontâneo e voluntário.

Mais de quinhentos anos depois, em Alexandria, Orígenes ensinou que os bem-aventurados ressuscitariam sob a forma de esferas e entrariam a rolar na eternidade.»

[O Livro dos Seres Imaginários]


23.03.15

...
¿que coisa é esta que nem se move,
que não é um planeta,
que buraco é este por onde tudo se some?
  -- e eu pedi ao balcão: dê-me um poema,
e o empregado olhou para mim estupefacto:
  -- isto aqui é o mundo, monsieur, aqui não se servem bebidas alcoólicas
  -- mas -- ia eu para dizer, mas calei-me de repente
e pensei muito longe:
quero voltar depressa aos modos do mundo dos assombros
(ó mundo, pesa inteiro sobre ti mesmo!)


[Letra Aberta]


eu, de amarelo

é um tema controverso. em que momento passa o cidadão anónimo ao papel de destaque? e pode essa passagem ser automática - sem a sua autorização, obrigando-o a aceitar a decisão de um fotógrafo? 
o que traz de novo a fotografia de Ketevan Kardava, para que possa circular pelo mundo? seria imprescindível? eticamente reprovável? qual o seu valor, a sua intenção? necessidade de mostrar? razão estética?

se a mulher de amarelo fosse eu, ficaria bastante desiludida com esta espécie de jornalistas.

posso estar errada. é uma hipótese que nunca afasto.


Wicked Game





17.3.16

aborto

Tendo completa noção de que há temas, especialmente nas redes sociais, que servem apenas para trocas de acusações absurdas e estéreis e gáudio de quem as manobra, incólume, na sombra, metendo achas, quando a agenda lhe coincide, ainda assim, apetece-me dizer (aqui) que me sinto bastante próxima das palavras do Carlos G. Pinto. 

Nunca serei a favor da penalização da mulher, relativamente à prática do aborto, por variadas razões, mas considero desprezível a ideia que se acomodou naturalmente na sociedade, de que se trata de um acto banal e corriqueiro, e da sua desresponsabilização, como se se tratasse da simples remoção de um calo ou de uma verruga. A própria palavra interrupção é falaciosa, amenizando a prática, mas essa é uma questão menor neste desabafo.

Não tenho crenças religiosas, - creio na Natureza, se tanto -, e se me subjugo a algumas convenções morais instituídas, justifico-o pela falta de paciência/necessidade em tentar apelar às minhas convicções e pela superficialidade que tais actos reflectem na minha vida. A minha questão com o aborto nada tem que ver com o céu ou o inferno, moralidade ou imoralidades, ideologias ou carneiradas, mas com a falta de reflexão sobre o mesmo. Banalizar um acto extremo, deixa-me indisposta. Assistir a isto foi o meu limite. Transformámo-nos numa sociedade chiclete e orgulhamo-nos disso. 

Nunca incentivei ninguém à prática do aborto, nem o seu contrário, - a decisão é profundamente íntima e intransmissível -, e já apoiei amigas durante o processo, o que em nada alterou a nossa amizade. Apenas que não me venham fazer da coisa uma bandeira de orgulho feminino.

Aceito estar errada no meu ponto de vista, não pretendo sequer convencer ninguém ao meu pensamento. É, apenas, a minha opinião.


16.3.16

Leviatã. Em busca dos gigantes do mar

Só mais tarde, ao viver sozinho em Londres, quando já tinha vinte e tais anos, decidi ensinar-me a nadar. Na gelada piscina de East End, construída no período entre as duas guerras, descobri que a água era capaz de suportar o meu corpo. Compreendi o que tinha perdido até àquele momento: a minha própria flutuabilidade. Não era uma questão de exercício: era antes a ideia de perder o pé, de permitir que outra coisa fosse responsável pela minha presença física no mundo; ser parte dele e estar separado dele ao mesmo tempo. De certa forma, tratava-se de uma reinvenção consciente, de uma maneira de enfrentar os meus medos.

[...]

As cidades e as civilizações erguem-se e caem, mas o mar é sempre o mar. «Não associamos a ideia de antiguidade ao oceano, nem nos perguntamos qual seria o seu aspecto há mil anos, como tantas vezes fazemos relativamente à terra, porque o oceano sempre foi igualmente selvagem e insondável», escreveu o filósofo Henry David Thoreau. «O oceano é um espaço selvagem que dá a volta ao globo, mais selvagem do que uma selva de Bengala, mais cheio de monstros, embatendo contra os molhes das nossas cidades e os jardins das nossas residências à beira-mar.»

[...]

A partir do momento em que o vemos, não conseguimos esquecê-lo, tal como quem nunca o viu é incapaz de descrevê-lo.


in Prólogo, Leviatã. Em busca dos gigantes do mar, Philip Hoare


15.3.16

Love Will Tear Us Apart



obrigada, vidro azul


Hogar dulce Hogar

el cáncer

la muerte no sería tan mala
si se pudiera traer a casa
si no hubiera que levantarse
si no hubiera que salir de la cama
si no hubiera que subirse a una ambulancia
si no hubiera que vivir en un hospital
si no hubiera que vivir entre desconocidos
si no hubiera que prescindir de las frazadas
del color de las frazadas de la casa
de la temperatura del color de las frazadas de la casa.

morir no sería tan malo si todo pasara en la casa
y con los de la casa
si uno tuviera la suerte de tener una casa

lo peor del cáncer y de la muerte son la burocracia y el ajetreo
de los cambios de ropa y el frío de los pasillos y el frío de
las miradas de los extraños (de los que no sufren porque tú sufres
de los que no sufren porque tú vas a morir)
y la indiferencia de las calles y de los muros de las calles
y la indiferencia mortal del hospital y de todo lo que lame
y cubre por dentro a un hospital.

morir no sería tan malo
sufrir no sería tan malo
si se sufriera en la casa
si se supiera que nada ni nadie nos sacará
-en caso de morir o sufrir-
de la casa


Ryuichi Sakamoto



[The Revenant - Main Theme]
obrigada, vidro azul


Más y más turbación

Llego y
me masturbo
¿Que más
puedo hacer?
Me alivia
eyacular
fuera de ti.
No dártelo
todo a ti
todo el tiempo.
Y no es
una masturbación
cualquiera
-como
la de la vaca
lechera-
Es
una masturbación
ausente
           sin sentido de culpa
                                      sin curas
sin religión
             sin sexo casi.
Es
una guerra
contra ti.
Me
tengo
que defender
de alguna manera
Y
me
masturbo
mirando
a una
modelo
italiana
            -la sensualitá
            under 20-
parecida
a ti.


14.3.16

In The Name Of Love





Dez letreiros célebres em tabernas de Lisboa no ano de 1806

Aqui administram-se bebidas com toda a sisudeza
Aqui tomam-se borracheiras mestras
Bebidas para sustentar o vício
Biblioteca universal de licores
Bom vinho para comer
Casa de prazer e alegria
Casa de bom despacho
Casa para senhoras
Licores femininos
Taberna boa em preço

in Lettreiros célebres, que se vem escritos nas portas de varias lojas desta capital: para servirem de taboleta e conhecimento ao Publico, vistos, examinados, e colligidos por hum Taful de Luneta (Oficina de Simão Tadeu Ferreira, Lisboa 1806)


ALL STRIPPED DOWN

Cavalheiro idoso, calvo e sem jeito
para foder procura quem o ature
e acredite (às vezes) na ressurreição.

Nunca leu livros, cospe grosso
e ronca. Assunto sério: morrer com alguém.

Manuel de Freitas


[obrigada, Ricardo.]



12.3.16

me too, Quincey.

daqui



"Cows are among the gentlest of breathing creatures; none show more passionate tenderness to their young when deprived of them—and, in short, I am not ashamed to profess a deep love for these quiet creatures."
- THOMAS DE QUINCEY,1821

8.3.16

MÃOTÓTEM


            Existe, lá, entre as sombras e o declinar dos vazios um homem deitado. Este alonga-se pelas estradas macias e a sua sombra persegue-o no seu repouso pela eternidade.
            Outrora, quando os caminhos eram possuídos de lama, o sangue que jorrava das crateras que contorcem os céus tinha o sabor mais puro que um seio de mãe pode ter.
            Assim, deitado, ele ergueu-se levemente apoiando-se no cotovelo direito e pôs-se a espreitar a eternidade. Esta era feita de si mesma sem direito algum a qualquer recompensa.
            Falou em surdina, quase com medo de acordar as trevas que sugam no povoado:

            «Aqui estou, semiconsciente, como morto que de repente acorda e que sente a sua insensibilidade projectar-se monótona no dia a dia infindável.
            Aqui estou, semimorto, como uma vela automática que se apaga na escuridão e se acende quando a luz do sol rompe ruidosa. Meu lamento não é raiva nem certeza. Espreitei na fechadura dos horizontes e o que eu julgava ser vácuo e raiva emplumada mostrou-se-me coalhado de cogumelos e de lagartas. Notei, em seguida, um perfume esquisito, cheiro forte de coxas queimadas que eu soube depois ser o excremento do sexo dos Deuses».

            A estrada interminável persegue-o. Um automóvel move-se interrompendo-lhe a locomovidade dos pensamentos.

            «Agora compreendo porque o vazio é uma ideia compacta e esta, inversamente, um conjunto de Deuses. Expulsei-os! Meu lamento não é raiva nem certeza. Sou eu, expulso dos meus pensamentos.»

Ergueu-se. Levantou e sacudiu as espáduas. Era mais alto que os montes.
Adiantou-se.
A sua sombra infindável persegue-o nos horizontes.


«es el oro hecho sombra: tu color. // el color de tu alma; pues tus ojos se van haciendo ella»


Daniel Ochoa de Olza

admirável mundo velho


duas mulheres valem (ainda) uma só pessoa.