8.3.16

MÃOTÓTEM


            Existe, lá, entre as sombras e o declinar dos vazios um homem deitado. Este alonga-se pelas estradas macias e a sua sombra persegue-o no seu repouso pela eternidade.
            Outrora, quando os caminhos eram possuídos de lama, o sangue que jorrava das crateras que contorcem os céus tinha o sabor mais puro que um seio de mãe pode ter.
            Assim, deitado, ele ergueu-se levemente apoiando-se no cotovelo direito e pôs-se a espreitar a eternidade. Esta era feita de si mesma sem direito algum a qualquer recompensa.
            Falou em surdina, quase com medo de acordar as trevas que sugam no povoado:

            «Aqui estou, semiconsciente, como morto que de repente acorda e que sente a sua insensibilidade projectar-se monótona no dia a dia infindável.
            Aqui estou, semimorto, como uma vela automática que se apaga na escuridão e se acende quando a luz do sol rompe ruidosa. Meu lamento não é raiva nem certeza. Espreitei na fechadura dos horizontes e o que eu julgava ser vácuo e raiva emplumada mostrou-se-me coalhado de cogumelos e de lagartas. Notei, em seguida, um perfume esquisito, cheiro forte de coxas queimadas que eu soube depois ser o excremento do sexo dos Deuses».

            A estrada interminável persegue-o. Um automóvel move-se interrompendo-lhe a locomovidade dos pensamentos.

            «Agora compreendo porque o vazio é uma ideia compacta e esta, inversamente, um conjunto de Deuses. Expulsei-os! Meu lamento não é raiva nem certeza. Sou eu, expulso dos meus pensamentos.»

Ergueu-se. Levantou e sacudiu as espáduas. Era mais alto que os montes.
Adiantou-se.
A sua sombra infindável persegue-o nos horizontes.