31.5.15

   – Lembro-me deste livro. Estava a lê-lo quando conheci o teu pai. Lembro-me de ter gostado dele, mas de ser um pouco irritada por ele também, porque fazia aquela coisa reles que as pessoas fazem, a irmã doce, doméstica e boa é afastada em prol da outra, esperta e bem-falante. Jane e Elizabeth. Lembro-me delas agora. Não me parecia justo que Jane fosse tão boa e, no entanto, Elizabeth é que era admirada. Suponho que é Austen ripostando. Ela era essa espécie de mulher e sabia que era a rapariga doce e boa que é estimada pela sociedade, não uma como Elizabeth, que diz o que tem a dizer. Mas Jane Austen tinha obrigação de não catalogar as mulheres, umas uma coisa, outras outra.   – Pensa na verdade que ela faz isso?
  – Penso. Acontece noutro livro, também. - Ela olhou outra vez para lá do rio. – Mulherzinhas –  disse ela após um momento. - Havia a irmã que era escritora e a outra, que tinha bebés.
   – Jo e Meg - disse eu.
  – É a mesma coisa - disse ela. – Mulheres escritoras deviam fazer melhor do que compartimentar mulheres, colocá-las em pequenos grupos, o das espertas e o das dóceis. As mulheres dos professores fazem isso na Universidade, também, nos chás das faculdades e noutras ocasiões.

[Anna Quindlen, A Única Verdade, Quetzal, 1999]

29.5.15

soledad

...

Abierto en mil heridas, cada instante,

cual mi frente,

tus olas van, como mis pensamientos,

y vienen, van y vienen,

besándose, apartándose,

en un eterno conocerse,

mar, y desconocerse.

...


25.5.15

Visions of Machu Picchu

 
 



21.5.15

Prólogo

A cadeia não é tão má como se imagina. Quando digo cadeia, não quero dizer prisão. Prisão é uma espécie de lugar que se vê em filmes antigos ou em documentários de uma televisão de serviço público, enormes espaços cinzentos com torres de vigia em cada canto e rolos de arame farpado que cercam os muros altos a toda a volta como um caracol. Prisão é onde os presos batem nas grades com colheres de metal, planeiam insurreições no pátio e levam o mais novo de todos - e que cumpre a primeira pena - para o chuveiro, enquanto os guardas viram as costas e o deixam por sua conta, o sangue escorrendo palidamente, carmesim misturado com branco leitoso escorrendo pela parte de trás das coxas isentas de pelos, o brilho dos olhos transformado para sempre.

[Anna Quindlen, A Única Verdade, Quetzal, 1999]


20.5.15

«A propósito de Dorian Gray»

Um dia hei-de cantar o cancro do tempo. Mas, por enquanto, não preciso dessa quimiopoesia. Sou um jovem cheio de planos. A minha vida mal começou. A melhor parte ainda está para vir, tenho a certeza. No entanto, este homem no espelho preocupa-me: está careca e tem olheiras cada vez maiores.


18.5.15

Dicionário da Real Academia

Imparcialmente, não ligo grande coisa ao Dicionário da Real Academia, «dont chaque édition fait regretter la précédente», segundo a melancólica sentença de Paul Grossac, e os pesados dicionários de argentinismos. Todos, os deste e os do outro lado do mar, tendem a acentuar as diferenças e a desintegrar o idioma. Recordo a este propósito a resposta de Roberto Arlt quando lhe atiraram à cara o seu desconhecimento do lunfardo: «Fui criado em Villa Luro, entre gente pobre e malfeitores, e realmente não tive tempo para estudar essas coisas.» De facto, o lunfardo é uma graça literária inventada por compositores de tangos e autores de teatro ligeiro, e os homens da beira-rio ignoram-no, exceto quando os discos das grafonolas lho ensinam.

[Jorge Luis Borges, in prólogo de O Relatório de Brodie, Bertrand]

12.5.15

«Colecionar fotos é colecionar o mundo.»

Leio Susan Sontag, Sobre Fotografia (edição brasileira Companhia das Letras), e surge-me Peeping Tom (1960), um excelente filme de Michael Powell. Gostei de relembrá-lo.

Todo-o-Mundo, Philip Roth

Encaminhou-se então cerimoniosamente para a cabeceira da sepultura, deteve-se por um momento em concentração e, inclinando ligeiramente a pá, deixou que a terra escorregasse devagar. Ao cair sobre a tampa de madeira do caixão, a terra produziu o som que se entranha numa pessoa como nenhum outro.

[ed. Dom Quixote, trad. de Francisco Agarez, p. 64]

"There's a train leaving for Paris at twelve-fifteen. We can catch that."






10.5.15

8.5.15



«A desproporção ontológica com as máquinas perdeu-se de vista, porque nossos corpos tornaram-se íntimos do plástico. Mimetizam-no. Fora de nós há o plástico na forma das coisas, do mesmo modo que dentro de nós, na forma de cirurgias, implantes, próteses. Nossa carne é moldada nas academias como se fosse de plástico. Nossa pele deve ser lisa como ele. Materialidade morta, o plástico usurpa o lugar da natureza perecível e promete o imperecível.»



7.5.15

2.5.15