Imparcialmente, não ligo grande coisa ao Dicionário da Real Academia, «dont chaque édition fait regretter la précédente», segundo a melancólica sentença de Paul Grossac, e os pesados dicionários de argentinismos. Todos, os deste e os do outro lado do mar, tendem a acentuar as diferenças e a desintegrar o idioma. Recordo a este propósito a resposta de Roberto Arlt quando lhe atiraram à cara o seu desconhecimento do lunfardo: «Fui criado em Villa Luro, entre gente pobre e malfeitores, e realmente não tive tempo para estudar essas coisas.» De facto, o lunfardo é uma graça literária inventada por compositores de tangos e autores de teatro ligeiro, e os homens da beira-rio ignoram-no, exceto quando os discos das grafonolas lho ensinam.
[Jorge Luis Borges, in prólogo de O Relatório de Brodie, Bertrand]