24.6.17
The burkini debate: Is female nudity empowering?
"The difference between the burkini and the bikini is that the burkini is not a choice. It is a mandatory thing, dictated by societal pressure," said one Farsi reader.
"We cannot stand for freedom and be selective about it - either you support her choice to say whatever she wants or you don't," wrote a reader of our English pages.
22.6.17
Onde se conta o que sucedeu a D. Quixote quando ia ver a sua senhora Dulcineia do Toboso
Onde se conta o que nele se verá
Era meia noite em ponto, pouco mais ou menos, quando D. Quixote e Sancho deixaram o monte e entraram em Toboso. Estava a aldeia num sossegado silêncio, porque todos os seus habitantes dormiam e repousavam à perna solta, como costuma dizer-se. Na noite havia uma frouxa claridade, embora Sancho preferisse que fosse completamente escura, para achar na escuridão desculpa para a sua patetice.
Não se ouvia em toda a povoação senão ladridos de cães, que atroavam os ouvidos de D. Quixote e perturbavam o coração de Sancho. De vez em quando um jumento zurrava, grunhiam porcos, miavam gatos, cujas vozes, de sons diferentes, aumentavam com o silêncio da noite, o que o enamorado cavaleiro considerava um mau agoiro; mas, apesar de tudo isto, disse a Sancho:
— Sancho, filho, dirige-te para o palácio de Dulcineia; talvez ainda achemos acordada.
— Para que palácio tenho de seguir, diabo do raio — respondeu Sancho —, que naquele onde a vi a sua grandeza não era mais que a de uma casa muito pequena?
— Devia então estar retirada — respondeu D. Quixote — em algum pequeno aposento do se alcácer, a espairecer com as suas donzelas, como é uso e costume das altas senhoras e princesas.
— Senhor — disse Sancho —, já que vossa mercê quer, contra minha vontade, que seja alcácer a casa da minha senhora Dulcineia — esta é porventura a hora de achar a porta aberta? E será conveniente que demos aldrabas para que nos ouçam e venham abrir a porta, pondo em alvoroço e barulho toda a gente? Vamos acaso nater à porta das nossas concubinas, como fazem os amancebados, que chegam, e chamam e entram a qualquer hora, por tarde que seja?
— Achemos primeiro o alcácer — replicou D. Quixote —; que então te direi o que será conveniente que façamos. E repara, Sancho, que eu vejo mal, ou aquele volume enorme e sombra que daqui se descobre deve ser do palácio de Dulcineia.
— Pois vá vossa mercê adiante — respondeu Sancho —; talvez seja isso que diz; ainda que eu o veja com os olhos e o toque com as mãos, hei-de acreditar tanto nisso como acredito que agora é de dia.
D. Quixote foi à frente e, tendo andado uns duzentos passos deu com o vulto que fazia sombra e viu uma grande torre, e depois reconheceu que o tal edifício não era um alcácer mas a igreja principal da povoação. E disse:
— Encontramos a igreja, Sancho.
— Já vejo — respondeu Sancho. — E praza a Deus que não achemos a nossa sepultura, que não é bom indício andar pelos cemitérios a uma hora destas, e mais tendo eu dito a vossa mercê, se não me lembro mal, que a casa desta senhora há-de ficar num beco sem saída.
— Maldito sejas por Deus, mentecapto! — disse D. Quixote. — Onde achaste que os alcáceres e palácios reais estejam edificados em becos sem saida?
— Senhor — respondeu Sancho —, cada terra tem seu uso; talvez se use aqui no Toboso edificar em becos os palácios e os grandes edifícios; e assim suplico a vossa mercê que me deixe buscar por estas ruas ou becos que se me oferecem: poderia ser que nalgum canto topasse com esse alcácer, que o veja eu comido pelos cães, que assim nos obriga a correr e procurar por caminhos e carreiros.
— Fala com respeito, Sancho, das coisas da minha senhora — disse D. Quixote —, gozemos a nossa festa em paz, e não atiremos a corda atrás do caldeiro.
— Eu conter-me-ei — respondeu Sancho —; mas — com que paciência poderei aguentar que vossa mercê queira que com uma única vez que vi a casa da nossa senhora a tenha de saber sempre e achá-la à meia-noite, não a achando vossa mercê, que deve tê-la visto milhares de vezes?
— Tu fazes-me irritar, Sancho — disse. — Vem cá, herege. Não te disse mil vezes que em todos os dias da minha vida nunca vi a sem par Dulcineia, nem ultrapassei jamais os umbrais do seu palácio, e que estou enamorado só por ter ouvido falar dela e pela grande fama que tem de formos e fina?
— Agora ouço-o — respondeu Sancho —; e digo que vossa mercê nunca a viu, nem eu tão-pouco.
— Isso não pode ser — replicou D. Quixote —; que, pelo menos, já me disseste que a viste crivar trigo, quando me trouxeste a resposta da carta que lhe enviei por tua mão.
— Não faça caso disso, senhor — respondeu Sancho —; porque lhe faço saber que também foi por ouvir falar dela a imagem e a resposta que lhe trouxe; porque sei tanto quem é a senhora Dulcineia como dar um soco no céu.
— Sancho, Sancho — respondeu D. Quixote —, há ocasiões que são boas para brincar e ocasiões onde caem e parecem mal as brincadeiras. Não porque eu diga que nunca vi nem falei à senhora da minha alma hás-de tu dizer também que nunca lhe falaste nem a viste, sendo tão o contrário disso, como sabes.
/O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de la Mancha, Miguel Cervantes, Relógio D'Água, p. 524 - p. 528/
16.6.17
al berto, poeta dos espelhos
«Um corpo que nunca parou de se encenar, de re(a)presentar, porque nunca parou de sofrer por essa impossibilidade de sair de si mesmo, com a escrita a querer fazer-se ex-crita. No limiar, parece ser essa a grande utopia de Al Berto: transformar o corpo em palavras, transformar a carne em linguagem, para assim se libertar da solidão ontológica, que é sempre a marca da nossa fragilidade e a omnipresença de um perigo.»
/Joana Emídio Marques, num belíssimo artigo aqui/
11.6.17
I Am Not Your Negro
What white people have to do, is try and find out in their own hearts why it was necessary to have a nigger in the first place, because I'm not a nigger, I'm a man, but if you think I'm a nigger, it means you need it.
James Baldwin
Paolo Cognetti | Dar nomes às coisas nas montanhas
Henry David Thoreau defendeu, em Walden (uma referência importante no seu romance): “A maior parte das pessoas tem vidas de desespero resignado. Aquilo a que chamamos resignação não passa de desespero crónico. Da cidade desesperada ao país desesperado, não nos resta senão procurar consolo na coragem das martas e dos ratos-almiscareiros.” Concorda?
Essa passagem é ainda mais verdadeira hoje do que no tempo de Thoreau. Os meios de comunicação atuais são sobretudo meios de entretenimento. Tenho horror à nossa obsessão por preencher cada minuto com qualquer coisa. Porque acredito que o silêncio e a solidão escondem verdadeiros tesouros. O meu maior tesouro é a escrita, que nasce do rumor e do silêncio. O maior prémio que este livro me deu foi o encontro com a solidão na montanha. Hoje, a cidade, real ou virtual, está cheia de ruído, que nos suga e nunca nos deixa ficar a sós.
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