6.7.16

Cefaleia (i)

quero partilhar consigo, estimado leitor, na eventualidade de ainda por aqui passar, um conto de Julio Cortázar, Cefaleia (in Bestiário), que me deixou maravilhada - o que talvez não seja difícil, tendo em conta que eu amo o Julio e foi aqui, neste ninho de palha, que nasceram as mancúspias.


«Devemos à doutora Margaret L. Tyler as imagens mais belas deste conto. O seu admirável poema, «Sintomas orientadores dos remédios mais comuns da vertigem e cefaleia», apareceu na revista Homeopatia, publucada pela Associação Médica Homeopática Argentina, ano XIV, nº 32, Abril de 1946, p. 33 e segs.
Agradecemos do mesmo modo a Ireneu Fernando Cruz, por nos ter iniciado, durante uma viagem a San Juan, no conhecimento das mancúspias.


Tratamos das mancúspias até bastante tarde; agora com o calor do Verão, enchem-se de caprichos e volubilidades, as mais atrasadas reclamam alimentação especial, e levamos-lhes aveia com malte, em grandes taças de barro; as maiores estão a mudar o pêlo do lombo, de modo que é preciso pô-las de parte, amarrar-lhes uma capa de protecção e fazer com que não se juntem de noite às mancúspias que dormem nas jaulas e recebem alimentos todas as oito horas.

Não nos sentimos bem. Isto já desde manhã, talvez devido ao vento quente que soprava ao amanhecer, antes de ter nascido este sol alcatroado que bateu na casa o dia inteiro. Custa-nos tratar dos animais doentes - isso faz-se às onze - e vigiar as crias depois da sesta. Parece-nos cada vez mais difícil andar, seguir a rotina; suspeitamos de que uma só noite de desatenção seria funesta para as mancúspias, a ruína irreparável da nossa vida.

(cont.)