[--devagar rapariga, não as fures, era assim que ela me falava. eu, a princípio, era sempre pelo tudo ou nada, o sim ou o não sem pestanejar, infantil, maniqueísta. depois percebi que entre a passividade da planura e a agressividade do rasgo, havia a perfeita concavidade da filhós. a minha mãe, acérrima defensora do reforço positivo, elogiava-me então a perícia. e eu, nesses momentos, era feliz. muito feliz.]
...
Mas aos primeiros sinais da Primavera, os tios tornavam a ficar inquietos e começavam a verificar o equipamento, discutindo mapas e rotas, consertando alforjes e botas e observando os picos das montanhas em busca de sinais de que a neve estava em retirada.
Nessa altura, a Avó começava a ficar cada vez mais calada. Nunca lhes pedia que ficassem mais tempo em casa, nunca fomentava controvérsias sobre a sua partida, mas o seu rosto parecia murchar e encolher, tornando-me mais pequeno e enrugado, enquanto ela se aconchegava na sua manta de retalhos.
No dia de São Petrag, quando os tios partiam, feitas as despedidas, e desciam ruidosamente a montanha por entre a neve derretida e as árvores cobertas de botões cor-de-rosa reluzentes, a Avó mergulhava num silêncio que durava, por vezes, cinco ou seis semanas; passava os dias sentada com o rosto virado a leste, sem dizer uma palavra e sem se mexer, bebendo o seu leite e retirando-se para o quarto à noite, sempre em silêncio e abatida; era necessário que viesse o sol quente e os jacintos doces e selvagens de Maio para que ela se alegrasse.
Depois, pouco a pouco, começava a ficar mais animada e dizia:
--Agora já só faltam seis meses para eles regressarem.
Mas o jovem Mark comentava com a prima Sammle:
--A cada ano que passa, a Avó demora mais tempo a acostumar-se.
E Sammle retorquia, a tremer, apesar do tempo quente de Maio:
--Talvez um ano, quando eles voltarem, ela já cá não esteja. Está a ficar tão pequenina e tão magrinha; dá para ver à transparência das mãos, como se fossem folhas. - e Sammle levantava a sua mão jovem e esguia contra a luz do sol para ver o sangue a brilhar por baixo da pele translúcida.
--Não sei como é que eles iriam suportar - dizia Mark, pensativo - se, quando voltassem, tivéssemos que lhes dizer que ela tinha morrido.
Mas não foi isso que aconteceu.
(cont.)