29.12.14

Queen






Sónia Silva, uma das minhas fotógrafas predilectas





Estas e outras fotografias podem ser vistas no blog pessoal da Sónia



Parked (2010)

Cathal O'Regan: Have you ever seen a leaf fall off a tree?
Fred Daly: What?
Cathal O'Regan: Have you ever seen the actual moment when that leaf breaks from it's branch?
Fred Daly: No, I can't say that I have.
Cathal O'Regan: It's a... It's a beautiful thing.


26.12.14

Hoje Preferia não Me Ter Encontrado

Desde as três da madrugada de hoje que escuto o tiquetaque do despertador: Intimidada, intimidada, intimidada... A dormir, o Paul atravessa a cama com um pontapé, recuando depois com um estremeção, tão repentino que, sem acordar, ele próprio se assusta. Já se tornou hábito. Foi-se-me o sono. Fico deitada, desperta, e sei que devia fechar os olhos para voltar a adormecer. Mas não fecho. Já tantas vezes desaprendi o sono e fui obrigada a reaprender como funciona. E funciona muito naturalmente ou não funciona de todo. Tudo dorme pela madrugada, até os cães e os gatos  só metade da noite vagueiam pelos latões do lixo. Quando se sabe que não se consegue dormir, é mais fácil pensar em algo luminoso no quarto às escuras, do que em vão cerrar os olhos com força. Com neve, troncos de árvores branqueados, salas brancas, muita areia, foi assim que espantei o tempo, mais vezes do que gostaria, até o dia clarear. Hoje de manhã podia ter pensado em girassóis, o que também fiz, mas não consigo esquecer que estou intimada para as dez em ponto.


[Hoje preferia não me ter encontrado, Herta Muller, ed. D. Quixote, p. 10]


...


24.12.14

...



23.12.14

solta-te
como se ainda fosses
um peixe a fugir da morte
e houvesse
por entre os dedos da noite
uma escada
de sereno veneno
por onde pudesses
mentir ao medo
e acordar numa hora
possível de dizer sim
um luminoso sim
e as marés
te olhassem nervosas
como se a palavra
ou o segundo
que tudo pode secar
te roesse a mão nua
e esse fosse
o instante da dor
ou o momento
de partir


[falso lugar, 2004]


...









A espera

Numa turva manhã do mês de julho, despertou-o a presença de gente desconhecida (e não o ruído da porta quando a abriram). Altos na penumbra doo quarto, curiosamente simplificados pela penumbra (nos sonhos do temor haviam sido sempre mais claros), vigilantes, imóveis e pacientes, de olhos baixos como se o peso das armas os encurvasse, Alejandro Villari e um desconhecido tinham-no apanhado, por fim. Com um sinal pediu-lhes que esperassem e virou-se contra a parede, como se retomasse o sono. Fê-lo para despertar a misericórdia de quem o matava, ou porque é menos duro suportar um acontecimento assustador do que imaginá-lo e aguardá-lo sem fim, ou - e isto é talvez o mais verosímil - para que os assassinos fossem um sonho, como já o tinham sido tantas vezes, no mesmo lugar, à mesma hora.
Estava nesta mágica quando o apagou a descarga.


[O Aleph, Jorge Luis Borges, ed. Quetzal, p. 146]


14.12.14

Vim porque me pagavam, Golgona Anghel

Acordamos cedo
mas chegamos tão atrasados a nós mesmos.

[ed. Mariposa Azual, p. 79]


11.12.14

Cris (1953)

Elle m'aime égoïstement.
Elle aime que je boive ses salives nocturnes.
Elle aime que je promène mes lèvres de sel
Sur ses jambes obscènes sur ses seis effondrés.

[Joyce Mansour, oeuvres complètes, prose & poésie, ed. Michel De Maule, p. 291]


Poesia, escombros e nada

4.
A poesia é a respiração intensa. É a capacidade de sustermos a respiração quando mergulhamos em águas densas. Só se respira livremente e sentimo-nos salvos no fim do poema. É assim comigo. Escrevo um poema como se entrasse num espaço reduzido e moldado pelo meu próprio pensamento. Não há margens por onde possa escapar. A escrita de poesia exige-me que mergulhe debaixo dos escombros emocionais e retire somente aquilo que irá representar o mundo que me propus interpretar. É como se tivesse de me alimentar com a minha própria fome. Eu nunca digo: vou escrever um poema. Como um suicida não revela: hoje é um bom dia para me suicidar. É-se convocado. O poema já existe, da mesma forma que o fim do suicida lhe está destinado. O acto poético consiste em procurar e descobrir o poema que já existe. Mas até para isso é preciso coragem.

[Fernando Esteves Pinto, revista digital A Sul de Nenhum Norte MAL DITA]


9.12.14

Ode to a Nightingale [Ode a um Rouxinol]


Here, where men sit and hear each other groan;
Where palsy shakes a few, sad, last gray hairs,
         Where youth grows pale, and spectre-thin, and dies;
                Where but to think is to be full of sorrow...


[Aqui, onde os homens se sentam a ouvir mútuos queixumes;
Onde a decadência agita um resto de cabelos tristes e grisalhos,
         Onde a juventude se faz pálida, fina como a sombra, e morre;
                  Onde o simples pensar já é sofrer...]

[John Keats, 1819]