Desde as três da madrugada de hoje que escuto o tiquetaque do despertador: Intimidada, intimidada, intimidada... A dormir, o Paul atravessa a cama com um pontapé, recuando depois com um estremeção, tão repentino que, sem acordar, ele próprio se assusta. Já se tornou hábito. Foi-se-me o sono. Fico deitada, desperta, e sei que devia fechar os olhos para voltar a adormecer. Mas não fecho. Já tantas vezes desaprendi o sono e fui obrigada a reaprender como funciona. E funciona muito naturalmente ou não funciona de todo. Tudo dorme pela madrugada, até os cães e os gatos só metade da noite vagueiam pelos latões do lixo. Quando se sabe que não se consegue dormir, é mais fácil pensar em algo luminoso no quarto às escuras, do que em vão cerrar os olhos com força. Com neve, troncos de árvores branqueados, salas brancas, muita areia, foi assim que espantei o tempo, mais vezes do que gostaria, até o dia clarear. Hoje de manhã podia ter pensado em girassóis, o que também fiz, mas não consigo esquecer que estou intimada para as dez em ponto.
[Hoje preferia não me ter encontrado, Herta Muller, ed. D. Quixote, p. 10]