31.12.20
30.12.20
morrer
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida. Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes
... (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos...)
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
23.12.20
22.12.20
o namoro de Júpiter e Saturno
saturno e júpiter simbolizam energias opostas, era normal que acabassem por se apaixonar.
Francisco Sojuel |
21.12.20
6.12.20
1.12.20
Eduardo Lourenço
«O paradoxo do Instante não é o de acabar quando surge. Esse dever o impomos nós ao «banal instante», talhando na peça imaginariamente substancial do Tempo. O paradoxo do Instante é o de nunca ter principiado e não poder ter fim.»
Tempo e Poesia, Eduardo Lourenço [1923 - 2020]
23.10.20
The Love Song of J. Alfred Prufrock
Ficámos nas mansões do mar nós dois em abandono
Entre as ondinas com grinaldas de algas castanhas purpurinas
Até que vozes humanas nos despertam e morremos naufragados.
|completo e original aqui|
29.9.20
subterrâneo
Giuseppe Licari, Humus |
As Cidades e os Mortos. 4.
O que torna Árgia diferente das outras cidades é que em vez de ar tem terra. As ruas estão completamente cobertas de terra, as salas cheias de argila até ao tecto, sobre as escadas assenta outra escada em negativo, por cima dos telhados das casas pairam camadas de terreno rochoso como céus com nuvens. Se os habitantes poderão andar pela cidade alargando os cunículos dos vermes e as fendas em que se insinuam as raízes, não o sabemos: a humidade quebra os corpos e deixa-lhes poucas forças; convém que fiquem quietos e deitados, de tão escura que é.
De Árgia, cá de cima, não se vê nada; há quem diga: "É lá em baixo" e só nos resta acreditar; os lugares são desertos. De noite, encostando o ouvido ao chão, às vezes ouve-se bater uma porta.
As Cidades Invisíveis, Italo Calvino
28.9.20
a máscara ou o martelo
Stasys Eidrigevičius |
o martelo
o papa quando morre
leva uma
marteladinha
na testa eu nunca
martelei
ninguém
nem papa nem príncipe nem rei
quando a procissão
tem que seguir
o capataz dá três
marteladas
no andor e os
costaleiros seguem
martelo
é um decassílabo heroico
com tônicas nas posições
três seis e dez quando
o atleta termina o
molinete três voltinhas
em torno de si mesmo
pode lançar o
martelo
que pesa sete kilos
duzentos e sessenta gramas
marx nunca falou sobre
martelo
algum quem já viu
escola de pensamento ter
símbolo qual seria o símbolo
da escola de frankfurt se
adorno tivesse escolhido um?
quando thor bate seu
martelo
é sinal de chuva e trovão
mas é a flor do mandacaru
que anuncia chuva no
sertão para o tubarão-martelo o
martelo
funciona como uma asa
estabilizando seus
movimentos além disso
o ritual de acasalamento
dos tubarões-martelo
é muito violento
na bandeira da albânia
comunista substituíram o
martelo
por um fuzil o
martelo
é um objeto ótimo
que serve pra dormir bem
ou pregar pregos.
Adelaide Ivànova, O martelo, 2017
27.9.20
quem disse que os poetas não podiam ser atraentes?
16.9.20
15.9.20
Os anjos do corpo
Meu infatigável
anjo,
da guarda de meu corpo
São os anjos quem
guardam
os orgasmos
Pastores
Dos rebanhos
– dos ardores
Dos odores do corpo
Hei-de confessar-te
um dia
o meu desejo:
um anjo
que me acaricie devagar o clitóris
as pernas entreabertas
ao meu beijo
Quantas vezes te digo
que te dispo
e depois te lambo
primeiros as asas
e o pénis
e em seguida: o ânus
E o anjo
debaixo
ficou a acariciar o pénis
do anjo que voava
por cima
de manso procurando
o fundo
da vagina
Sou eu que te transformo
de prazer
em anjo do orgasmo
infatigável
suco
da língua
Naquilo que te faço
Com o teu clitóris
de ouro,
és o anjo
mamilos à flor da pele
que tapas com as asas
Os anjos descobrem
a vulva
no mesmo instante
em que sabem
do pénis:
com
as pernas ligeiramente
abertas
e desviando as asas
Despir os anjos
um por um
passando-lhes a língua...
lentamente,
pelo sal do pénis
Sorvendo-lhes em seguida
os sucos da vagina
Penteio com os dedos
os cabelos
deste arcanjo
respirando baixo
o interior macio
das suas pernas
o púbis
deste anjo
O sabor do esperma
dos anjos que imaginam
a-mar
as águas
uterinas
Lambe-me devagar
o céu da boca
como se a voasses
É um púbis de anjo
com pequenas asas
sob:
sobre a doce matiz
matriz
do clitóris
Viro-te anjo
debaixo do meu corpo
cubro-te:
voando – vogando
pelo nada
o teu pénis
direito
no meu púbis
e mais abaixo
a tua vagina alada
Adormeço de ventre
em tuas
asas
deitada ao comprido
no espaço
das tuas pernas
pernas
Cisterna
posta à beira
da sede dos teus braços
Primeiro roço-te
as asas
suspensas pelos teus ombros
imaginando apenas
aquilo que depois
mergulho
e faço:
Traz o anjo
o arrepio
ao corpo todo
um aperto nos
seios
e na vagina
Uma febre incerta
que vagueia
nas asas, nas coxas
e nas veias
Tinha um corpo de
lua
pelo lado da cor e do frio
em desiquilibrio no fio da faca
do orgasmo
O teu corpo,
neste envolvimento
de voo
e de vulva
Meu amor que mergulhas
de vertigem:
Anjo expectante
da vagina
A mistura de mim
com o teu corpo
asas pequenas que estremecem
debaixo do desejo
Não tens noção
de quanto é corpo o corpo
nem desejo
Anjo
Voando sobre
o que é baixo
Sob
Voando sob
o que é por baixo
Tocar-te apenas com
a língua
a cabeça do pénis
como se devagar
lambesse
o meu clitóris
até sentir o orgasmo
trepar-me pelas pernas
Bebem os anjos
a saliva
dos anjos
Pela taça
– exposta –
da vagina
São raríssimas as
asas
que não partem dos seios
a florir nos
ombros
Como um manso púbis
com os seios veios
de sombra
Quando
o clitóris toca
o clitóris dos anjos...
Lambe-me as asas
– disse o anjo
ao anjo mais perto...
dos seus pulsos
29.8.20
animals
24.8.20
22.8.20
17.8.20
Tribute to La Bata
Lucia Herrero |
11.7.20
23.6.20
13.6.20
al berto, meu amor
20.5.20
26.4.20
quando a morte se apaixonou e deixou o mundo ao contrário
18.4.20
soundtrack
The congregation takes the other side
An inquisition of familiar lies
A grave distraction from a quiet rite
Sometimes
The congregation can't make up its mind
Incarceration creeps up from behind
The implication is its own device
In the middle of a salient fight
Sometimes
The congregation can't be satisfied
Can't be bothered with the ways and whys
Generations like their ways and times
7.4.20
Viagens
Viagens, Olga Tokarczuk
|daqui: ilcviagens|
equilibro precisa-se, respeito por ambas as partes também, mas acima de tudo ser humano, sem géneros.
6.4.20
5.4.20
the world after coronavirus
One of the problems we face in working out where we stand on surveillance is that none of us know exactly how we are being surveilled, and what the coming years might bring. Surveillance technology is developing at breakneck speed, and what seemed science-fiction 10 years ago is today old news. As a thought experiment, consider a hypothetical government that demands that every citizen wears a biometric bracelet that monitors body temperature and heart-rate 24 hours a day. The resulting data is hoarded and analysed by government algorithms. The algorithms will know that you are sick even before you know it, and they will also know where you have been, and who you have met. The chains of infection could be drastically shortened, and even cut altogether. Such a system could arguably stop the epidemic in its tracks within days. Sounds wonderful, right?
The downside is, of course, that this would give legitimacy to a terrifying new surveillance system.
Yuval Noah Harari 20/03/2020, Financial Times
25.3.20
20.3.20
13.3.20
pecadora
12.3.20
13.2.20
27.1.20
A história arredonda os esqueletos para zero.
Steven Frank (centre) and family |
Steven Frank, aged 84, originally from Amsterdam, who survived multiple concentration camps as a child, pictured alongside his granddaughters Maggie and Trixie Fleet, by Kate Middleton |
25.1.20
transcendentalismo
22.1.20
O pássaro da cabeça
Marg Skogland |
3.1.20
(( ( útero ~ incubadora ) ))
(( , )) < < < < < < < < < < < < < < < < < < < < ou voltar!