O interesse por artistas da fome diminuiu muito nas últimas décadas. Se antigamente a organização por conta própria deste tipo de espetáculos trazia o seu lucro, hoje em dia isso seria absolutamente impossível. Os tempos eram outros. Na altura toda a cidade seguia o artista da fome; a cada dia do seu jejum aumentava a afluência; todos queriam ver o artista da fome ao menos uma vez por dia; nos últimos dias inscreviam-se pessoas para poderem ficar sentadas o dia inteiro em frente à pequena jaula; até durante a noite, à luz de archotes que intensificavam o efeito, apareciam visitantes; em dias de sol trazia-se a jaula para o exterior para que o artista da fome fosse mostrado às crianças; se para os adultos o espetáculo não passava de um divertimento no qual participavam porque estava na moda, as crianças, por seu lado, estarrecidas, as bocas abertas, segurando as mãos umas das outras para se sentirem mais seguras, observavam a palidez do artista da fome, o maiô preto dentro do qual sobressaíam poderosas as suas costelas, observavam-no sentado na palha, visto que rejeitava qualquer cadeira, a acenar de tempos a tempos por cortesia, viam-no responder a perguntas com um sorriso forçado, a esticar o braço para que lhe pudessem sentir a magreza, mas logo se afundando em si próprio, porque todos lhe eram indiferentes, até mesmo o bater, para ele tão importante, do relógio, única mobília da jaula, limitava-se a olhar em frente, de olhos quase fechados e a bebericar aqui e ali de um minúsculo copito de água para humedecer os lábios.
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/Franz Kafka, Um Artista da Fome e outros textos/