Agnès Varda eloquently captures Paris in the sixties with this real-time portrait of a singer (Corinne Marchand) set adrift in the city as she awaits test results of a biopsy. A chronicle of the minutes of one woman’s life, Cléo from 5 to 7 is a spirited mix of vivid vérité and melodrama (daqui)
23.4.18
15.4.18
Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola
«Porque é que ‘tão a olhar para mim?
Não vim para ficar…»
Não é que me tivesse propriamente esquecido, não conseguia era lembrar-me. Havia outras coisas mais importantes.
«Porque é que ‘tão a olhar para mim?
Não vim para ficar…»
Se me conseguia lembrar do resto do poema ou não era irrelevante. A verdade daquela afirmação era como um lenço amassado, encharcado nos meus punhos, e quanto mais cedo aceitassem isso, mais depressa eu poderia abrir as mãos e deixar o ar arrefecer-me as palmas.
«Porque é que ‘tão a olhar para mim…?»
Os meninos da ala infantil da Igreja Metodista Episcopal de Pessoas de Cor contorciam-se de riso por causa do meu proverbial esquecimento.
Levava um vestido de tafetá alfazema e, sempre que inspirava, o tecido restolhava e, como eu estava a sorver ar e a expirar vergonha, o ruído fazia lembrar o papel crepe que se usa na traseira dos carros funerários.
Enquanto observava a Mãezinha a pôr folhos na bainha e umas preguinhas bonitas na cintura, soube que, assim que o vestisse, iria parecer uma estrela de cinema. (Era de seda, o que compensava a cor horrorosa.) Eu ia parecer uma daquelas meninas brancas e graciosas, que encarnavam tudo o que havia de bom no mundo, o ideal de toda a gente. Delicadamente pousado em cima da máquina de costura Singer preta, o vestido era mágico, e, quando as pessoas me vissem com ele, viriam ter comigo a correr e diriam: «Marguerite [às vezes, era “querida Marguerite”], por favor perdoa-nos, não sabíamos quem eras», e eu responderia, generosamente: «Não, não podiam saber. É claro que vos perdoo.»
/Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola, Maya Angelou/
11.4.18
De Numeral / Nomimal
Escrever é arriscar tigres
ou algo que arranhe, ralando
o peito na borda do limite
com a mão estendida
até a cerca impossível e farpada
até o erro — é rezar com raiva.
***
Escrever é riscar o fósforo
e sob seu pequeno clarão
dar asas ao ar — distância, destino
segurando a chama contra
a desatenção do vento, mantendo
a luz acesa, mesmo que o pensamento
pisque, até que os dedos se queimem.
ou algo que arranhe, ralando
o peito na borda do limite
com a mão estendida
até a cerca impossível e farpada
até o erro — é rezar com raiva.
***
Escrever é riscar o fósforo
e sob seu pequeno clarão
dar asas ao ar — distância, destino
segurando a chama contra
a desatenção do vento, mantendo
a luz acesa, mesmo que o pensamento
pisque, até que os dedos se queimem.
7.4.18
Na Memória dos Rouxinóis
1.
Nasceu para ser um número primo
Jorge Rousinol nem sempre foi Jorge Rousinol. Até 5 de agosto de 1945, era o Sete, um número primo.
Jorge foi o sexto neto a nascer e o avô Rousinol, matemático galego próximo de Franco, apenas decorou o nome dos primeiros cinco. Quando Jorge nasceu, desperto e sem chorar, fitou o avô com os seus olhos cinzento-espelho, que, até aos dias de hoje, pareciam as águas de duas bacias que devolvem ao mundo o que o mundo lhes dá, mas num tom mais sombrio -- ou, como Jorge dirá, mais realista.
O avô viu-se refletido nos olhos do neto e, talvez pelo seu narcisismo, concedeu que seis era pouco para a importância absoluta daquele recém-nascido. Saltou um algarismo e atribuiu-lhe a posição sete, um número primo. Sinal de reconhecimento de que este era apenas divisível por ele próprio ou pela unidade. Traço de personalidade que cedo se manifestou em Jorge Rousinol: não ter outro divisor natural, ser ele a única referência do seu sistema de medida.
/Na Memória dos Rouxinóis, Filipa Martins/
Axolotl
Hubo un tiempo en que yo pensaba mucho en los axolotl. Iba a verlos al acuario del Jardín des Plantes y me quedaba horas mirándolos, observando su inmovilidad, sus oscuros movimientos. Ahora soy un axolotl.
Julio Cortazar
1.4.18
A Dança da Victória
- Que tal, Marín? Como vai isso?
- Como sempre, director.
- É uma pena que não tenhas beneficiado da amnistia.
- Eu não sou um simples ladrão de galinhas, senhor. A mim têm-me aqui dentro por assassínio.
- Deve ter sido muito grave, para te darem prisão perpétua.
- Sim.
- Foram muitos generosos contigo. Quantos assassínios cometeste?
- Mais de um, director.
- De modo que as possibilidades de saíres por bom comportamento daqui a uns anos são escassas.
- Diga antes nulas. Explicitamente, não me fuzilaram com a recomendação rigorosa de que por nenhum motivo me deviam baixar a pena.
- E tu não preferirias o pelotão? Porque, ao fim ao cabo, isto não é vida, pois não?
- Não é vida, mas a vida é a vida. Seja qual for. Nem um verme gosta que o esmaguem.
/A Dança da Victória, Antonio Skármeta/
- Como sempre, director.
- É uma pena que não tenhas beneficiado da amnistia.
- Eu não sou um simples ladrão de galinhas, senhor. A mim têm-me aqui dentro por assassínio.
- Deve ter sido muito grave, para te darem prisão perpétua.
- Sim.
- Foram muitos generosos contigo. Quantos assassínios cometeste?
- Mais de um, director.
- De modo que as possibilidades de saíres por bom comportamento daqui a uns anos são escassas.
- Diga antes nulas. Explicitamente, não me fuzilaram com a recomendação rigorosa de que por nenhum motivo me deviam baixar a pena.
- E tu não preferirias o pelotão? Porque, ao fim ao cabo, isto não é vida, pois não?
- Não é vida, mas a vida é a vida. Seja qual for. Nem um verme gosta que o esmaguem.
/A Dança da Victória, Antonio Skármeta/
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