6.7.17

recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer -- vai por esse campo
de crateras extintas -- vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo -- deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração -- ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna -- o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira -- não esqueças o ouro
o marfim -- os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço


/al berto, horto de incêndio/

5.7.17

- Queres ver o que inventei, Avô?

- Não achas que podem ficar tristes, esses pirilampos dentro de uma gaiola que fica dentro do teu quintal?
- Se estivessem tristes, acho que não brilhavam assim.
- E se estiverem a brilhar de tristeza? - perguntou o Avô.
- Não tinha pensado nisso.


/O Convidador de Pirilampos, Ondjaki e António Jorge Gonçalves/