23.5.17

22.5.17

SAFO OU O SUICÍDIO

Acabo de ver no fundo dos espelhos de um camarim uma mulher que se chama Safo. É pálida como a neve, a morte, ou o rosto claro dos leprosos. E como ela se maquilha para esconder a sua palidez, tem o ar do cadáver de uma mulher assassinada, tendo sobre as maças do rosto um pouco do seu próprio sangue.
Os seus olhos cavados escondem-se para escapar ao dia, longe das suas pálpebras áridas que já nem sequer lhes fazem sombra. Os seus longos caracóis caem em madeixas, como as folhas das florestas sob tempestades precoces; todos os dias arranca a si própria novos cabelos brancos, e esses fios de seda clara em breve serão suficientemente numerosos para tecer a sua mortalha. Chora a sua juventude como uma mulher que a tivesse traído, a sua infância como uma filhinha que tivesse perdido.
É magra: na hora do banho afasta-se do espelho para não ver os seus seios tristes. Erra de cidade em cidade com três grandes malas cheias de pérolas falsas e restos de aves. É acrobata como nos tempos antigos era poetisa, porque a forma especial dos seus pulmões a obriga a exercer uma profissão que se exerça a meia altura.
Todas as noites, entregue às feras do Circo que a devoram com os olhos, ela cumpre num espaço repleto de polés e de mastros as suas obrigações de estrela. O seu corpo colado à parede, cortado pelas letras dos anúncios luminosos, faz parte desse grupo de fantasmas em voga que planam sobre as cidades cinzentas.
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in Fogos, de Marguerite Yourcenar