23.12.15

Se eu tivesse um filho,

esta seria a história que hoje lhe iria contar.


A DÁDIVA -- Joan Aiken


As semanas que antecediam o Natal eram sempre vividas com grande emoção e, também tremenda expectativa, enquanto a família esperava ansiosa  que os tios, que tinham partido na Primavera, regressassem das suas viagens desse Verão pelas rotas dos mercadores: o Tio Emer, o Tio Acraud, o Tio Gonfil e o Tio Mark. Partiam sempre juntos, descendo a encosta alcantilada, mas depois, chegados ao sopé da montanha, seguiam caminhos diferentes ao longo do vale profundo e estreito. O Tio Mark e o Tio Acraud dirigiam-se para leste, em direcção às grandes planícies, enquanto o Tio Emer e o Tio Gonfil viravam para oeste, para as cidades, os rios e o mar a ocidente.

Em seguida, e antes de se despedirem das montanhas, separavam-se uma vez mais, seguindo o Tio Acraud para sul e o Tio Emer rumo ao norte, o que levava as crianças a pensar que a sua família estava espalhada pelo mundo inteiro, em constante expansão como a teia de uma aranha.

A Primavera e o Verão eram passados entre as actividades habituais, cavando e semeando as parcelas na encosta íngreme, pescando, caçando lebres, apanhando morangos silvestres, usando o tempo da melhor maneira. Depois, perto do Dia de São Drimma, quando os ventos começavam a soprar e a neve a cair nos picos mais altos, descendo cada vez mais rumo ao vale, a Avó começava a ficar mais inquieta.

Passava o Verão calma e em silêncio, sentada na sua cadeira de baloiço no grande alpendre de madeira, enrolada numa manta de retalhos, com os olhos cegos virados para leste, em direcção às terras para onde Mark, o seu filho mais velho e o mais querido, tinha ido. Mas quando os ventos dos finais de Setembro começavam a soprar, por alturas do Michaelmas, a Festa de São Miguel, e os lobos se tornavam mais ousados e o gado era trazido para o estábulo por baixo da casa, a Avó começava realmente a ficar inquieta.

Quando Sammle, a neta mais velha, lhe trazia o leite quente, ela agarrava o pulso magro da menina e perguntava: 
--Diz-me, filha, quantos dias faltam para o Dia de São Froida? - (que é o primeiro dia de Dezembro).
--Dezoito, Avó - respondia Sammle, beijando-lhe a face enrugada.
--Tantos, ainda? Tantos até ao dia em que temos a esperança de os voltar a ver?
--Não se preocupe, Avozinha, de certeza que os Tios vão voltar sãos e salvos. Talvez cheguem mais cedo este ano. Talvez voltem ainda antes da Festa de São Melin - (que é a 14 de Dezembro).

E então, algures pelos meados de Dezembro, lá se ouvia o eco das suas grandes carroças a tilintar e a rolar pelos vales serpenteados. O jovem Mark (filho do Tio Elmer), postado no seu ponto de vigia no cimo de um grande pinheiro no alto de um penhasco, vislumbrava o reflexo da medalha de bronze na cabeça de uma mula de carga ou o sol a luzir no cano de uma carabina, e vinha a correr trazer a boa nova.
--Avozinha! Avozinha! Os Tios estão quase a chegar!


(continua)