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É evidente que no espólio de qualquer época há sempre muito para condenar, corrigir, deitar fora, e até combater. Mas, na pressa com que vem, a rapaziada nova esquece que igual auto-de-fé há-de queimar no futuro parte da produção dos inquisidores de agora. (...).
Boa ou má, a obra que realizaram foi um esforço e um exemplo. Na maioria dos casos, foi nela, até, que os mesmos atacantes mataram a primeira sede. De maneira que não se chega a compreender a causa de tanta irreverência e muitas vezes tanto ódio.
Embora a imagem seja um bocado crua, depois de uma meditação serena sobre certas injustiças, é-se levado a pensar que há na base dessa feroz hostilidade aos velhos qualquer coisa de semelhante ao que acontece com aqueles bichos que, apenas fecundados pelo companheiro, se apressam a matá-lo e a devorá-lo. É como se cada geração, mal acabasse de sorver da anterior todo o sumo vital, indignada por não encontrar lá mais com que nutrir a insaciedade, passasse a odiar o favo que chupou, onde agora sòmente vê cera morta.
Por outro lado, é um fenómeno quase miraculoso encontrar no passado duma literatura um autor idoso com autêntica compreensão pela seiva naturalmente um pouco irresponsável de qualquer principiante.
Parece que a idade, a cultura, a maturidade, o incapacitam de se lembrar sequer dos bons tempos em que também ele era a mesma ânsia e obstinação.
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in Diário, vol. II