Está machucando? - O doutor perguntou tão perto de mim que era erótico.
Tinha uma voz suave que me arrepiava.
- Se estiver doendo, levante a mão, está bem? Posso anestesiar, se você preferir.
"Doendo". Se ele soubesse o que é dor. Crateras e rombos e vazios e fisgadas de dores profundas era o que não me faltava, é o que não me falta.
O cuidado, a delicadeza, aquele fio de voz, tudo me dava vontade de chorar como uma menina. Por pouco eu não respondi:
- Anestesia, não. Eu vim aqui pra sentir dor física mesmo. Dessas de quando se abrem as crateras e se expõem os nervos inflamados dos dentes. Quero ver se, desse modo, me curo da outra, uma dor abstrata que estou sentindo não sei onde.
Marilene Felinto, Obsceno Abandono: Amor e Perda
[daqui: camelos lendo]