25.1.16

Heart of a Rose


A Rose, 1936, Dain L. Tasker




II - Dois Candidatos

Desde o qual incidente, o morgado, convicto da podridão dos vereadores em particular, e da humanidade em geral, prometeu a onze retratos, que tinha de onze avós, pintados indignamente, nunca mais tocar o cancro social com suas mãos impolutas. 

Neste propósito, nem ao menos consentiu que o vigário lhe mandasse o Periódico dos Pobres do Porto, de que era assinante emparceirado com mais quatro reitores limítrofes, e o mestre-escola e o boticário. 

Um dia, porém, quando ele saía da festividade de S. Sebastião, cujo mordomo era, deteve-se no adro, onde o rodearam os mais graúdos lavradores da sua freguesia e das vizinhas. Noutro grupo, falava-se do sermão, e da constância do santo capitão das guardas do bárbaro Diocleciano, e da desmoralização do império. 

Estas puxadas reflexões era o boticário que as expendia, coadjuvado pelo mestre de primeiras letras, sujeito que sabia mais história romana do que é permitido a um professor da preciosa e capitalíssima ciência de ler, contar e escrever, pelo que o sábio vinha a granjear para a humanidade a ciência, e para ele nove vinténs e meio por dia. E comia o sábio estes nove vinténs e meio quotidianos, e ensinava os rapazes, e sobejava-lhe tempo para ler história! Pudera!… Os governos davam-lhe férias grandes ao estômago, em proveito do espírito. Se ele andasse bem nutrido e sucado de tripa, não aprendia nem ensinava coisa de monta. Que a pobreza é o estímulo das maiores façanhas da inteligência. Paupertas impulit audax. Isto que o Horácio faminto dizia de si, acomodam-no os regedores da coisa pública aos professores de primeiras letras; porém, outros muitos versos do Horácio farto, esses, tomam-nos eles para seu uso.


A Queda de um Anjo, (do grande) Camilo Castelo Branco

(da biblioteca digital da Porto Editora)

I - O Herói Do Conto

Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas, tem hoje quarenta e nove anos, por ter nascido em 1815, na aldeia de Caçarelhos, termo de Miranda. Seu pai, também Calisto, era cavaleiro fidalgo com filhamento, e décimo sexto varão dos Barbudas da Agra. Sua mãe, D. Basilissa Escolástica, procedia dos Silos, altas dignidades da Igreja, comendatários, sangue limpo, já bom sangue no tempo do Sr. rei D. Afonso I, fundador de Miranda.

Fez seus estudos de latinidade no seminário bracarense o filho único do morgado da Agra de Freimas, destinando-se a doutoramento in utroque jure. Porém, como quer que o pai lhe falecesse, e a mãe contrariasse a projectada formatura, em razão de ficar sozinha no solar de Caçarelhos, Calisto, como bom filho, renunciou à carreira das letras, deu-se ao governo do casal algum tanto, e muito à leitura de copiosa livraria, parte de seus avós paternos, e a maior dos doutores em cânones, cónegos, desembargadores do eclesiástico, catedráticos, chantres, arcediagos e bispos, parentela ilustríssima de sua mãe.

Casou o morgado, ao tocar pelos vinte anos, com sua segunda prima D. Teodora Barbuda de Figueiroa, morgada de Travanca, senhora de raro aviso, muito apontada em amanho de casa, ignorante mais que o necessário para ter juízo.

Unidos os dois morgadios, ficou sendo a casa de Calisto a maior da comarca; e, com o rodar de dez anos, prosperou a olho, tendo grande parte neste incremento a parcimónia a que o morgado circunscreveu seus prazeres, e, por sobre isto, o génio cainho e apertado de D. Teodora. Remenda teu pano, chegar-te-á ao ano, dizia a morgada de Travanca; e, aferrada ao seu adágio predilecto, remendava sempre, e cerzia com perfeição justamente admirada entre a família, e falada como exemplo na área de quatro léguas, ou mais.

[...]


É supérfluo dizer-se a qual doutrinação política pendia o ânimo do morgado da Agra de Freimas. Estava com a decisão das Cortes de Lamego. Fizera-se nelas, e cuidava ter assistido, em 1145, àquele congresso mitológico, e ter conclamado com Gonçalo Mendes da Maia, e com Lourenço Viegas, o Espadeiro: Nos liberi sumus, rex noster liber est. Todavia, se assim fossem todos os doutrinários políticos, a gente apodreceria na mais refestada paz e supina ignorância do andamento da humanidade. 

Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda queria que se venerasse o passado, a moral antiga como o monumento antigo, as leis de João das Regras e Martim de Ocem, como o mosteiro da Batalha, as Ordenações Manuelinas como o convento dos Jerónimos.

O mal que de aqui surdia ao género humano, a falar verdade, era nenhum. Este bom fidalgo, se lhe tirassem o sestro de esmiuçar desdouros nas gerações das famílias patrícias, era inofensiva criatura. Deste senão, a causa foi um chamado Livro-Negro, que herdara de seu tio-avô Marcos de Barbuda Tenazes de Lacerda Falcão, genealógico vaporoso, o qual gastara sessenta dos oitenta anos vividos, a coligir borrões, travessias, mancebias, adultérios, coitos danados e incestos de muitas famílias, naquelas satânicas costaneiras, denominadas Livro-Negro das Linhagens de Portugal

Em suma, Calisto era legitimista quieto, calado, e incapaz de empecer a roda do progresso, contanto que o progresso não lhe entrasse em casa, nem o quisesse levar consigo.

Prova cabal de sua tolerância foi ele aceitar em 1840 a presidência municipal de Miranda. Na primeira sessão camarária falou de feitio e jeito, que os ouvintes cuidavam estar escutando um alcaide do século XV levantado do seu jazigo da catedral. Queria ele que se restaurassem as leis do foral dado a Miranda pelo monarca fundador. Este requerimento gelou de espanto os vereadores; destes, os que puderam degelar-se riram na cara do seu presidente, e emendaram a galhofa dizendo que a humanidade havia já caminhado sete séculos depois que Miranda tivera foral. 

— Pois se caminhou, — replicou o presidente — não caminhou direita. Os homens são sempre os mesmos e quejandos; as leis devem ser sempre as mesmas. 
— Mas… — retorquiu a oposição ilustrada — o regímen municipal expirou em 1211, Sr. presidente! V. Ex.a não ignora que háhoje um código de leis comuns de todo o território português, e que desde Afonso II se estatuíram leis gerais. V. Ex.a decerto leu isto… 
— Li — atalhou Calisto de Barbuda — mas reprovo! 
— Pois seria útil e racional que V. Ex..a aprovasse. 
— Útil a quem? — perguntou o presidente. 
— Ao município — responderam. 
— Aprovem os senhores vereadores, e façam obra por essas leis, que eu despeço-me disto. Tenho o governo de minha casa, onde sou rei e governo, segundo os forais da antiga honra portuguesa. Disse; saiu; e nunca mais voltou à Câmara.


A Queda de um Anjo, (do grande) Camilo Castelo Branco

(da biblioteca digital da Porto Editora)


23.1.16

Cabeceira

Intratável.
Não quero mais pôr poemas no papel
nem dar a conhecer minha ternura.
Faço ar de dura,
muito sóbria e dura,
não pergunto
"da sombra daquele beijo
que farei?"
É inútil
ficar à escuta
ou manobrar a lupa
da adivinhação.
Dito isto
o livro de cabeceira cai no chão.
Tua mão que desliza
distraidamente?
sobre a minha mão

Ana Cristina Cesar. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

do Azerbaijão, guardo um mundo inteiro.




18.1.16

Memento mori

























45 anos



Charlotte Rampling (que mulher!, que actriz!) e Tom Courtenay, brilhantes. igualmente brilhante, Andrew Haigh, que escreveu e realizou  esta história, baseada num conto de  David Constantine.

não entendo por que diabos eu era a única a baixo dos quarenta, numa sala quase vazia...



16.1.16

Sicario



um bom filme [as cenas de acção e de tensão são fenomenais], alguns lugares-comuns, menos falso moralismo americano, Emily Blunt está a mais no papel, (ou) Kate Macer está a mais no filme.


humanista

não sou feminista, sou humanista, luto pelo respeito ao ser humano. sou pela igualdade de oportunidades, não pela igualdade de géneros, porque não creio que se possa/deva igualar o que não é igual. não significa isto que não saiba quão desiguais têm sido, na maioria das vezes, as oportunidades para as mulheres e que muito do trabalho a ser feito deverá ser em prol delas. (a não esquecer que parte desse trabalho cabe também às mulheres).

feita a introdução, que vale o que vale - e muito vale para mim -, pergunto-me, depois de ler algumas das posições que correm pela internet - e que fique claro, de que todos e cada um têm direito à sua -, o que faz uma mulher afirmar que não é feminista porque não quer ter de pendurar quadros na parede... sei quão injusta posso estar a ser, não revelando a fonte, e correndo o risco de desvirtualizar o resto do texto (não), mas são apenas estas palavras - e a ideia monstruosa de preconceito que transportam - as que me interessa observar. que se diga que não se tem jeito ou vontade para trabalhos manuais, aceito e respeito - o mesmo acontece com as tarefas domésticas -, mas isso nada tem que ver com géneros. eu, por exemplo, detesto limpar, por isso, pago a alguém para o fazer, coisa que não fiz, quando foi preciso pendurar os quadros (e os candeeiros), agarrei no berbequim, escolhi a broca certa, (basta ver o tamanho das buchas) e lá subi eu, feliz da vida, ao escadote. não me lembro se o fiz calçando um belo par de sapatos de salto alto, mas pode muito bem ter acontecido - não fosse alguém julgar que não estou contente com a minha condição feminina.

gracejos à parte, combata-se o preconceito, respeite-se e ajude-se a maternidade/paternidade, puna-se - no tribunal e na opinião pública - a violência doméstica/pública/e afins, e metade do trabalho estará feito. sei que não é fácil, que o mundo não é apenas a europa, - e mesmo a europa, não é apenas paris, londres ou berlim. mas essa idolatria às palavras/conceito, surgidas em sede própria, com tiques de guerrilha, serve mesmo para quê?


14.1.16

um livro

É então isto um livro,
este, como dizer?, murmúrio,
este rosto virado para dentro de
alguma coisa escura que ainda não existe
que, se uma mão subitamente
inocente a toca,
se abre desamparadamente
como uma boca
que fala com a nossa voz?
É então a isto que chamam "livro",
a este coração (o nosso coração)
dizendo "eu" entre nós e nós?

Manuel António Pina


Caught Out In The Rain




13.1.16

felicidade

Eu não consigo imaginar uma maior felicidade que aquela que sinto
ao estar contigo durante todo o tempo, sem interrupção, infinitamente,
mesmo que sinta que aqui neste mundo não existe nenhum lugar sem
perturbações para o nosso amor, tanto aqui na aldeia como em qualquer
outro sítio; e eu sonho com um túmulo, profundo e estreito, onde podemos
apertar-nos um ao outro com os nossos braços como se fossem ganchos, 
e eu esconderia o meu rosto em ti e tu esconderias o teu rosto em mim,
e ninguém jamais nos iria ver nunca mais. 

Franz Kafka, in O Castelo


12.1.16

Es el verbo tan frágil

«El médico le rogó que tratase de ser más concisa: “Exactamente, ¿dónde le duele?”. 
Pero, en el transcurso del movimiento del dedo índice hacia la rodilla, aquel 
dolor metálico se disolvía en una especie de cosquilleo burbujeante en el talón izquierdo. 
Detuvo la mano avergonzada y empezó de nuevo, tratando esta vez de prestar un 
poco más de atención.»

Sandra Santana, Es el verbo tan frágil



O médico pediu-lhe que tentasse ser mais precisa: “Onde dói, exatamente?”. Mas, 
no trajeto em movimento do dedo indicador ao joelho, aquela dor metálica se 
dissolvia em uma espécie de cócega borbulhante no calcanhar esquerdo. Deteve a mão 
constrangida e começou de novo, tentando prestar desta vez um pouco mais de atenção.

[trad. de Ricardo Domeneck]

daqui: modo de usar & co.

...

A nossa época é essencialmente trágica, e, por isso, recusamo-nos a vivê-la como tragédia. O cataclismo deu-se, estamos rodeados de ruínas, começamos a construir outras maneiras de viver, a alimentar novas pequenas esperanças. É uma tarefa difícil, já não há nenhuma estrada suave em direcção ao futuro: passamos ao lado dos obstáculos, ou saltamos-lhes em cima. Temos de viver para além de todos os céus que desabaram sobre as nossas cabeças.

O amante de Lady Chatterley,  D. H. Lawrence

11.1.16

farolim de bicicleta

se o meu amor fosse
uma chama, ou um farolim de bicicleta,
não teria, decerto, estas mãos telegráficas cantando
à chuva, num pátio sem antepassados;
iria, de pneu sobresselente a tiracolo, até ao cimo
da corola terrestre, só

pelo poder da natureza.
À volta das mesas, um sussurro acompanha
o seu discurso amplo, o esvoaçar sublime
das mangas arregaçadas. Não assim.
Escoa-se na cal, nos fios de tinta,
fica poroso e vil em meio à cinta.

Fosse um braço a romper pedra! E não assim: perdido
dentro de mim, como uma mosca absorta.


António Franco Alexandre, in Poemas, Assírio & Alvim



Merry Christmas, Mr Bowie



David Bowie (1947 - 2016)


9.1.16

Dividir para reinar no Egito*

«Há quase mil anos, durante o Califado Fatímida - que se estendia, no seu apogeu, do oceano Atlântico, a oeste, à Península Arábia, a leste - um oleiro sentou-se no seu ateliê, no Cairo, e fez uma tigela. As técnicas que utilizou, da forma do barro ao vidrado metálico e à decoração aplicada após a cozedura, eram notoriamente islâmicas. O sacerdote que pintou no interior da tigela era inconfundivelmente cristão.

A tigela é um dos vários objetos expostos no Museu Britânico ["Egito: fé depois dos faraós", até 7  de fevereiro em Londres]. Contam a história de um encontro de fés no Egito. Numa carta amarelada, com quase um milénio, um mercador judeu louva os seus parceiros comerciais muçulmanos. Páginas de bíblias medievais hebraicas e cristãs surgem lado a lado com um Corão com oito séculos. A história de pluralismo religioso no Egito é rica e matizada. Tal como é, infelizmente, o currículo dos que têm ocupado o poder no que toca a explorar e manipular as divergências religiosas ao longo dos séculos, em seu próprio benefício. 

[...]


Nada é mais perigoso para as elites dominantes do que os egípcios que se assumem como cidadãos autónomos e não dependentes. Daí que a contrarrevolução tenha lutado por repor uma cultura de controlo vindo de cima e obediência imposta em baixo.

Para tal, enredou-se na politica egípcia uma estirpe de nacionalismo chauvinista, que reforça linhas de fratura diversas, vistas como menos ameaçadoras para o antigo regime. Em vez de cidadãos de diferentes fés e passados unidos para derrubar as instituições repressivas do Estado, o atual Presidente, Abdul Fatah al-Sisi, exige uma população agradecida e vergada, que forme "uma mão" com os líderes políticos, banindo dissidentes para tão longe quanto possível, excluindo-os do agregado familiar.

[...]»


Jack Shenker, in Courrier internacional - Jan/2016


7.1.16

This Is The End Of Everything





This is the end of everything
My head explodes, but my heart sinks
Take comfort in the knowledge that, it's over now
This is the end.

I will never see the light again


«Não ranjo. Não sangro. Não choro. Não peço. Não morro.»

Detesto toda a psicologia.
Pelo menos tanto como o homem de trabalho
e os escritores movidos a bons sentimentos,
que o querem entreter ou melhorar ao módico
preço dos direitos de autor. Para me sustentar
tenho todas as loiras do mundo. E não são poucas.
De ambos os sexos e qualquer côr de cabelo.
É o que basta. A somar ao jogo. O jogo de
sonhar acordado. Sou o chulo vigil dos pesadelos
das mães. As nossas e as delas. A fera com
mais inteligência que moral. Uma inteligência manipuladora.
O abismo brilhante. Um falo que fosse vaso.
Disputo corridas sem sair do lugar e, por isso, sou
sempre o primeiro a alcançar a meta riscada no chão
com o giz líquido do meu sémen. Os outros chegam
estafados. Caem de borco. Matam a sede na fonte desse giz.
E pagam o pecado. A minha religião indulgencia-me sempre.
Sou o Papa Negro das Noites Brancas. O Papa Branco das Noites Negras.
Sou cinzento. Como as balanças que aferem o peso para aferir o custo.
Estou afinado. Não ranjo. Não sangro. Não choro. Não peço. Não morro.
A não ser que me sobrevenha uma embolia ao baralho. Ao caralho.
Por isso, conservo-me em álcool. Como os miúdos fazem às cobras. O formol é para os Deuses.

in Cirrose, Fenda


era uma vez...

Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve
passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.
Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando
o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a
sua própria alimentação. O coelhinho, que tinha um coração
muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava
considerava-a como sua verdadeira mãe. A mãe couve e o seu
filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia
uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras. O
coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam
tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo
da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco
dano lhe fizessem. Quando aqueles insectos daninhos levantaram
voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de
areias e pedra. O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas
proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos
quilómetros de distância a fim de procurar comida. Mas já
nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras. Passaram
muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro
mais magro e faminto. Então a mãe couve disse-lhe assim:
“Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar
o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu
viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser
eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu
quero dizer?” O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande
tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.


6.1.16

teorias

O que comunica uma língua? Comunica a essência espiritual que lhe corresponde. É fundamental saber que esta essência espiritual se comunica na língua, e não por meio da língua. Não existe, portanto, o falante das línguas, se por isso entendermos aquele que se comunica por meio dessas línguas. A essência espiritual comunica-se numa língua e não por meio de uma língua — e isto quer dizer que não se identifica, a partir de fora, com a essência da linguagem.

Linguagem, Tradução, Literatura, Walter Benjamin, Assírio & Alvim


blue










1.1.16

agora e para sempre:

desenrascanço (Portuguese)

noun: the ability to improvise a quick solution

Desenrascanço is the M.O. of any high-functioning procrastinator. Not only does it mean to solve a problem or complete a task, it means doing so with a completely improvised solution. TV’s MacGyver utilized this skill every time he averted disaster with nothing but a bent paper clip and a chewing gum wrapper.


«A Poesia Também é Literatura»

«Os poetas odeiam trabalhar em escritórios. Vestem-se mal e acreditam em tudo o que lhes dizem. Puxa-lhes o pé para a metáfora. Se os poetas fossem controladores aéreos, haveria tráfego de andorinhas. O ideal para um poeta é estar desempregado. Em nome da segurança pública.»

Filipa Leal, Pelos Leitores de Poesia, Abysmo Editora


«O fogo do verso»

À hora em que se lava o chão dos talhos
da bílis que sobra da morte
e no céu se rasgam dores
a que as estrelas hão-de dar cautério, penso
na melancólica carne que despes
diante de mim como um fato de tumulto
Penso na tua pele vertida e no brilho
inverso, nas cores que desbotam
nas montras como alguma
há muito tempo exposta
natureza-morta

Sei que amar-te tem que ver com isto:
O camião atravessando à noite a auto-estrada
com os lívidos espíritos de porcos
que se precipitam na cinta das cidades
A polpa triste de um beijo
a acender o coração, cansado
de ser metáfora

Amar-te tem que ver com esta imagem mansa
do terror, contemplada
à distância e a alguma velocidade. Aproxima-se
da desolação da prosa e não,
como se salvaria o mundo, do fogo do verso


Andreia C. Faria na enfermaria 6