30.5.16

disso dos animais

«Caçar faz de nós animais, mas a morte de um animal torna-nos humanos.»

[A de Açor, Helen Macdonald]

29.5.16

a lua



28.5.16

stop





26.5.16

Estrume ou os "Escrúpulos de Bem-Falante"

Abril, 1874.

Recebemos pela posta o seguinte bilhete:

"Desejo que o crítico das Farpas que ultimamente traduziu para o teatro de D. Maria o Marquês de Villemer, queria ter o incómodo de informar-me se acha que seja permitido na boa sociedade de Lisboa, a uma menina tão bemeducada como Mademoiselle de Saint-Railles na comédia aludida, proferir a palavra estrumes. Espero resposta. — Sua leitora."


Respondemos.

Minha leitora. — Não sei se na boa sociedade as meninas querem ou não permitir-se empregar na conversa as mais nobres palavras que tem uma língua — as que se referem à cultura da terra e aos fenómenos da criação.
Em Caneças sei que os saloios têm nesse ponto umas reservas cheias de pudicícia e que pedem licença prévia para falarem num cavalo ou num porco. Não posso dizer até que ponto os usos da sociedade de Caneças penetram na sociedade de Lisboa.

A minha opinião particular é: que uma menina bem-educada está autorizada a proferir em toda a parte os nomes claros, técnicos, insubstituíveis das coisas, que ela tem obrigação de saber. Ora, dessas coisas, as primeiras que deve aprender uma senhora são a arte da jardinagem e a arte da cozinha — os dois princípios rudimentares da grande ciência de criar e de alimentar o homem.
Michelet, de todos os grandes pensadores modernos aquele que mais amou as mulheres e que deu na terra o paraíso àquelas que tiveram a ventura de serem a sua mulher, a sua filha e a sua neta, concebeu a regeneração da humanidade pela educação da mulher e começou a instruí-la fazendo-a penetrar os altos segredos da natureza e da vida por meio do estudo tão moralizador e tão elevado da jardinagem e da cozinha.

O estrume é o ponto de união entre a cozinha e o jardim, os dois sagrados domínios da inteligência da mulher superior, da esposa, da mãe, da nobre criadora, da alimentadora, da protectora do homem.

O estrume é um dos factos mais interessantes e mais curiosos da grande história profunda da terra e da natureza. É o objecto mais digno da atenção do nosso espírito.

O estrume é a história toda da química, da geologia, da biologia, da botânica.

O estrume, de per si só, explica-nos a grande e sublime evolução que constitui a vida nos vegetais, nos animais e no homem.

O estrume é a base, a origem, a condição primitiva e essencial de todas as coisas e de todos os seres sobre a superfície da Terra. É o grande legado imenso, portentoso, sucessivamente deixado de geração em geração ao género humano. Tudo o mais desaparece diante do roer do tempo, o eterno verme.
Desaparecem as obras da arte, as do talento, as das civilizações mais fortes e mais firmes. Somente se não aniquila, antes de dia para dia se acrescenta e se renova, o estrume, no qual lentamente se convertem todos os destroços, todas as ruínas e todos os monumentos que vai deixando em volta de si a passagem do homem.

Tudo passa.

O estrume fica eternamente.

Fica para que reverdeça a relva, para que se desdobrem os vinhedos pelas colinas, para que ondeiem as searas pelas planícies, para que cantem as cotovias por entre as laranjeiras e os lilases, para que os rebanhos se alastrem por baixo dos olivedos, para que as crianças continuem a rir, para que as mulheres continuem a amar, para que os homens continuem a aprender, e para que a minha leitora me dirija no bilhete mais doce a pergunta mais estranha.

Suprimindo o estrume, soçobraria o mundo.

Na vida moral o estrume é uma lição ainda mais importante do que na vida física. O estrume explica-nos a lei moral da solidariedade universal. Nele aprendemos que é nosso destino pertencermos fatalmente aos nossos semelhantes e à grande mãe Natureza. Que a vida individual é um empréstimo divino feito pela vida universal a que eternamente pertencemos. Que a morte, finalmente, não é outra coisa senão a doce restituição à suprema vitalidade da terra dos elementos que absorvemos dela.

Se, todavia, apesar destas singelas e passageiras reflexões, que submeto à consideração da minha leitora, S. Exª entender que se deve abster de proferir a palavra estrume, fica S. Exª autorizada para a substituir, em todo o decurso destas linhas que lhe consagro, por qualquer outra que lhe pareça mais curial e mais idónea. Onde se ler estrume, S. Exª poderá dizer, por exemplo: o arrebol, a brisa, a toilette à Rabagas ou a valsa a dois tempos. E Caneças aplaudirá.


[in As Farpas]

A Escavação

-- Ainda que me alegre! - respondeu Kozlov. -- Mas quem é que gostou de mim ao menos uma vez? Aguenta, dizem-me, até que o velho capitalismo morra... Agora ele acabou, mas eu continuo a viver sozinho debaixo do cobertor, e sinto-me triste!

Voschev comoveu-se de amizade por Kozlov.

-- A tristeza não é nada, camarada Kozlov - disse ele -, isso significa que a nossa classe sente o mundo inteiro, mas a felicidade é em todo o caso um conceito burguês... A felicidade só nos leva à vergonha!

A seguir, Voschev e os outros levantaram-se de novo para ir trabalhar. O sol ainda ia alto e, no ar iluminado, os pássaros cantavam lamentosamente, não triunfantes, mas porque procuravam alimento no espaço: as andorinhas voavam baixo por cima dos homens curvados que cavavam, silenciavam as asas de fadiga e, por baixo da penugem e das penas, havia o suor da necessidade - voavam desde o alvorecer, atormentando-se incessantemente para alimentar os filhotes e os companheiros. Certa vez, Voschev apanhou do chão um pássaro que morrera instantaneamente em pleno voo: estava coberto de suor, e quando o depenou para lhe ver o corpo, nas suas mãos ficou uma criatura exígua e lastimável, morta pela fadiga do seu trabalho. E agora Voschev não se poupava para desfazer o solo nodoso: aqui vai haver um prédio onde as pessoas se abrigarão das adversidades, e das janelas atirarão migalhas aos pássaros que vivem no exterior.   

[A Escavação, Andrei Platónov]


24.5.16

Paráfrase

Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.
Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.

Pedro Mexia

23.5.16

a ler

com o abraço para a querida NM, que se referiu a ela no post desta manhã, aqui replico, também eu, a crónica que se deve tornar viral:



19.5.16

18.5.16

As gavetas

Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.

Pedro Mexia

«When the world keeps testing me»



17.5.16

plágios

mas por que razão não há uma única referência a Borges e ao seu conto «O grosseiro mestre de cerimónias Kotsuké no Suké» (in História Universal da Infâmia) na ficha técnica deste filme?!
Last Knights - (ver trailer) é um plágio tão mal embrulhado, que dá dó. (Kodama, estás a dormir?! logo tu!)

se não acredita, caro leitor, atente na correspondência:

Morgan Freeman ("Bartok") é o senhor da Torre de Ako
Clive Owen ("Raiden") é Oishi Kuranosuké
Aksel Hennie ("Geza Mott") é Kotsuké no Suké

[um plágio filme medíocre, que nem Morgan Freeman consegue salvar.]


15.5.16

15 de Maio

«Curiosa sensação, a dos aniversários. Ver-me velho quando tenho tão presente a memória do tempo em que os trinta e três anos que Cristo contava quando o crucificaram me pareciam a idade de Matusalém.»

Pó, Cinza e Recordações

parabéns!


Papa Francisco, porque não te calas?

E afinal, parece que não somos todos criaturas de Deus. O Ser Humano, na sua infinita grandeza, é um ser superior, face à restante bicharada, que veio ao mundo para o servir. Um antropocentrismo raquítico ao serviço do teocentrismo iluminado.

Pergunta o Papa Francisco, por quem nutro alguma simpatia, fazendo um dos paralelismos mais infantis, idiotas e injustos que conheço: «Quantas vezes vemos pessoas que cuidam de gatos e cães e depois deixam sem ajuda o vizinho que passa fome?» 

Quem quer ajudar o vizinho, fá-lo-á, independentemente de ajudar os animais, acredito eu, que não ajudo o vizinho, mas - tanto quanto sei - alguns idosos, (ex-)toxicodependentes e sem-abrigo de Lisboa. Talvez a Igreja Católica - essa belíssima instituição com telhados de cristal - pudesse dar o exemplo, repartindo alguma da sua riqueza com o meu vizinho e os vizinhos do mundo inteiro, liderando assim a "piedade" por exemplo. Três famílias de refugiados, Francisco, equivale a uma moedinha das minhas, por alturas do natal. Vá lá, consegues melhor do que isso!


13.5.16

12.5.16

Bronco Angel, o cow-boy analfabeto [ó coisa boa!]

Os meus primeiros tempos como ajudante do xerife Jimmy Cicatriz não foram isentos de dificuldades. Rigoroso em todas as voltas da vida, o meu boss exigia na mínima circunstância, mesmo com dois ss (circunstânssia), aquilo que se poderia chamar competência na decisão (com z ou com s, agora estou um bocadinho indeciso; por acaso decisão não fica mal, e melhor ainda dessizão!), Bem, isto sou eu a ver sse asserto.

«Sabes ler, escrever e contar?», perguntou-me o xerife quando apareci ao trabalho na primeira inolvidável manhã da nossa colaboração.

«Sei apanhar gafanhotos à palmada», respondi. «E sei jogar à macaca. E sei quem foi o primeiro rei de Portugal».

“Quem foi?”

“Dom João V.”

«Óptimo. Não quero cá analfabetos.»


[Bronco Angel, O Cow-Boy Analfabeto, Fernando Assis Pacheco

CARTA A FÁTIMA

Lembras-te Fátima? era o que eu sempre te dizia, não somos nada nas mãos do acaso, e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim? se nem tu já te lembras de mim agora, tu, a quem tanto amei, não te lembras, e foi há tão pouco, foi ontem, parece, que te levantaste e disseste: «Ficamos amigos como dantes»... E dizias: como dantes e era já noutro que pensavas, olhavas-me e nos teus olhos ria-se a traição, o prazer da liberdade, um desafio alegre, uma alegria provocante e desapiedada, ias a meu lado pela última vez e eu era já um estranho para ti, um fantasma a quem se concede, por caridade, uns momentos mais de companhia, algumas palavras vagas distraídas, um pouco de estima, talvez. Reparei: o teu corpo, oh corpo do meu prazer! oh carne virgem sangrando debaixo de mim! oh meu repouso e minha febre! o teu corpo outrora tão cativo e tão submisso, ficara de repente cerimonioso e esquivo, cauteloso, afastado, com um pudor forçado no puxares a saia sobre os joelhos, como se tivesse uma grande vergonha do despudor com que se dera antes...


Dizias: como dantes e não era já nisso que pensavas, e não era já para mim que falavas, eu era uma coisa para esquecer, para deitar fora, uma coisa que se abandona caída no chão e se perde sem pena. Dizias: «adeus» e saías da minha vida com um aperto de mão desembaraçado, quase cordial um gesto de boa camarada, como se nada tivesse havido antes, como se não tivéssemos sido tantas vezes na cama, um dentro do outro, um no outro, um-outro diferente, uma coisa sublime: Deus Criador, como os míseros humanos só ali o podem sentir e saber; um Outro que éramos nós ainda, mas tão transtornados, tão virados para fora de nós, tão esquecidos do mundo e de nós, tão eficazes, tão leais, nós boca com boca, corpo a corpo, um sexo torturando um sexo, mordendo-se devorando-se, numa febre de chegar ao fim depressa, ao esquecimento, ao repouso. Disseste: adeus e eu odiei-te logo nesse minuto, como te odeio agora, não por ti ou pelo teu corpo que já me esqueceu noutros que vieram depois, mas porque morri ali naquela palavra, -morri entendes? -, perdi-me numa grande confusão, esqueci-me de ser eu, fiquei roubado do meu passado.


Hoje, encontrarias um outro homem; havia de rir-me do teu corpo, da sua entrega ou das suas traições, de tu me dizeres: «Vem» ou «Adeus...», ou «Não quero...». Hoje, saberias quem fizeste com uma só palavra, conhecerias um outro homem, que é obra tua, minha segunda mãe! Hoje, havia de rir ou chorar, era a máscara do momento; mas diria: tanto faz..., tanto me faz... Sabia-o!


Luiz Pacheco, 1992


MANUAL DE DESPEDIDA PARA MULHERES SENSÍVEIS

Ser digna na partida, na despedida, dizer adeus com jeito,
não chorar para não enfraquecer o emigrante,
mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo,
dobrar-lhe as camisas, limpar-lhe as sapatilhas
com um pano húmido, ajudá-lo a pesar a mala
que não pode levar mais de vinte quilos
(quanto pesará o coração dele? e o meu?),

três pares de sapatos, um jogo de lençóis, o corta-vento,
oferecer-lhe a medalha que a Mãe usava sempre que partia
e que talvez não tenha usado quando partiu para sempre,
ter passado o dia à procura da medalha pela casa toda
(ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui),
pensar que a data escolhida para partir é a da morte da Mãe,
pensar que a Mãe não está comigo para lhe dobrar as camisas
e mesmo assim não chorar, nunca chorar,

mesmo que o Pai esteja a chorar, mesmo que estejam todos a chorar,
tomar umas merdas, se for preciso: uns calmantes, uns relaxantes,
uns antioxidantes para não chorar; andar a pé para não chorar,
apanhar sol para não chorar, jantar fora para não chorar, conhecer gente,
mas gente animada, pintar o cabelo e esconder as brancas,
que os grisalhos são mais chorões, dizer graças para não pôr também
os amigos a chorar, os amigos gostam é de nós a rir, ver séries cómicas
até cair, acordar mais cedo para lhe fazer torradas antes da viagem,
com manteiga, com doce de mirtilo, com tudo o que houver no frigorífico,
e não pensar que nunca mais seremos pequenos outra vez,
cheios de Mãe e de Pai no quarto ao lado,
cheios de emprego no quarto ao lado quando ainda existia Portugal.

É tanto o que se pede a um ser humano do século vinte e um.
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Mas que não chore.


[Vem à quinta-feira, Filipa Leal]

11.5.16

Pai

Na minha estante, no outro extremo da sala, havia um telescópio portátil com uma capa de Cordura verde. Pedira-o emprestado ao meu pai para ir observar aves e não o tinha devolvido. Esquecera-me de o levar na última visita que lhe fiz. «Fica para a próxima», dissera ele, abanando a cabeça com uma exasperação bem-humorada. Não houve próxima vez. Não o pude restituir. Também não lhe pude pedir desculpa. Houve uma vez, talvez no dia a seguir à sua morte, ou no dia a seguir a esse, em que ia sentada num comboio com a minha mãe e o meu irmão. Íamos buscar o carro dele. Foi uma viagem desesperada. As minhas mãos agarravam com força o ferro áspero do assento até os nós dos dedos ficarem brancos. Recordo-me de buddleia, de escória ao lado da linha, de um gasómetro verde e da central nuclear de Battersea quando o comboio abrandou. E só quando já nos encontrávamos na estação de Queenstown Road, numa plataforma desconhecida sob uma cobertura de madeira branca, só quando já nos dirigíamos para a saída, me apercebi, pela primeira vez, de que nunca mais voltaria a ver o meu pai.
Nunca. Detive-me e fiquei imóvel. E gritei. Chamei-o em voz alta. Pai. E depois, a palavra Não saiu num uivo longo, decrescente. O meu irmão e a minha mãe abraçaram-me, e eu a eles. Um facto brutal. Nunca mais tornaria a falar com ele. Nunca mais voltaria a vê-lo.


 [A de Açor, Helen Macdonald]


10.5.16

Paupéria revisitada


Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
na companhia das traças
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.

Ricardo Aleixo

9.5.16

não escrever ii

«Não há literatura: Quando se escreve só importa saber em que real se entra e se há técnica adequada para abrir caminho a outros.»


[Um falcão no punho, Maria Gabriela Llansol]


não escrever

«Até hoje não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente, até que de repente a descoberta muito tímida: quem sabe, também eu poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.»


[Para Não Esquecer, Clarice Lispector]


6.5.16

...


Henri Cartier Bresson


«a de açor»

Uma pessoa aprende. Hoje, pensei, já não com nove anos e sem estar aborrecida, era paciente e as aves de rapina apareciam.

Levantei-me lentamente, com as pernas um pouco entorpecidas por ter estado imóvel durante tanto tempo, e vi que tinha na mão uma pequena quantidade de musgo-das-renas, um pedacinho desse líquen ramificado de um cinzento-esverdeado pálido que pode sobreviver do quase nada que o mundo lhe fornece. É um exemplo de paciência. Se o guardarmos no escuro, se o congelarmos, se o secarmos até ficar estaladiço, o musgo-das-renas não morre. Fica em estado latente à espera de que as coisas melhorem.

É um ser impressionante. Sopesei a pequena esfera ramosa. Era quase como se não a tivesse na mão. E, num impulso súbito, enfiei no bolso de dentro do colete essa pequena recordação roubada ao dia em que vi as aves de rapina, e fui para casa. Pu-la numa prateleira perto do telefone. 

Três semanas mais tarde, era para o musgo-das-renas que olhava quando a minha mãe ligou a dizer que o meu pai tinha morrido. 

Helen Macdonald

4.5.16

Congo

liga do Congo. não vai conseguir.

Michael Christopher Brown, Congo