26.5.16

A Escavação

-- Ainda que me alegre! - respondeu Kozlov. -- Mas quem é que gostou de mim ao menos uma vez? Aguenta, dizem-me, até que o velho capitalismo morra... Agora ele acabou, mas eu continuo a viver sozinho debaixo do cobertor, e sinto-me triste!

Voschev comoveu-se de amizade por Kozlov.

-- A tristeza não é nada, camarada Kozlov - disse ele -, isso significa que a nossa classe sente o mundo inteiro, mas a felicidade é em todo o caso um conceito burguês... A felicidade só nos leva à vergonha!

A seguir, Voschev e os outros levantaram-se de novo para ir trabalhar. O sol ainda ia alto e, no ar iluminado, os pássaros cantavam lamentosamente, não triunfantes, mas porque procuravam alimento no espaço: as andorinhas voavam baixo por cima dos homens curvados que cavavam, silenciavam as asas de fadiga e, por baixo da penugem e das penas, havia o suor da necessidade - voavam desde o alvorecer, atormentando-se incessantemente para alimentar os filhotes e os companheiros. Certa vez, Voschev apanhou do chão um pássaro que morrera instantaneamente em pleno voo: estava coberto de suor, e quando o depenou para lhe ver o corpo, nas suas mãos ficou uma criatura exígua e lastimável, morta pela fadiga do seu trabalho. E agora Voschev não se poupava para desfazer o solo nodoso: aqui vai haver um prédio onde as pessoas se abrigarão das adversidades, e das janelas atirarão migalhas aos pássaros que vivem no exterior.   

[A Escavação, Andrei Platónov]