20.2.18

19.2.18

Silêncio na Era do Ruído




«O desconforto de estarmos sós, contendo a língua e limitando-nos simplesmente a ser, não começou com o advento da televisão nos anos 50, nem com a chegada da Internet nos anos 90 ou com os smartphones dos nossos dias; foi sempre um problema e Pascal foi provavelmente o primeiro a escrever sobre essa sensação.»


/Silêncio na Era do Ruído, Erling Kagge/

18.2.18

O Imortal

Este palácio é obra dos deuses, pensei, antes de tudo. Explorei os desabitados recintos e corrigi: Os deuses que o construíram já morreram. Notei suas características e disse: Os deuses que o construíram estavam loucos. Disse-o, bem sei, com uma incompreensível reprovação que era quase  um remorso, mais de horror intelectual do que de medo sensível. À impressão da enorme antiguidade juntaram-se outras: a do interminável, a do atroz, a do complexamente insensato.


Jorge Luis Borges

Quando sair daqui,

arranco-te com os meus próprios dentes
as unhas dos pés, essas manias
e as chaves do carro,
sua ordinária, pensei, sua mentirosa, pensei,
sua puta, pensei,
mas pensei baixinho e com pouco entusiasmo:
era difícil sujar a minha mulher
sem rebaixar-me ainda mais.
Tens sorte, pensei.
Podia imaginar o teu futuro liso e bem esticado
como a pele de um leopardo
à entrada de uma loja de antiguidades.
Admito até provar o teu amargo sangue,
para lembrar-me que antes fui um escravo,
mas não consigo fazer de ti,
assim obesa e malcheirosa como andas,
o móbil de um crime passional.


/Golgona Anghel, Nadar na Piscina dos Pequenos/

12.2.18

Biblioteca Pessoal

«Que outros se gabem dos livros que lhes foi dado escrever; eu gabo-me daqueles que me foi dado ler», disse eu uma vez. Não sei se sou um bom escritor; penso ser um excelente leitor ou, em todo o caso, um sensível e agradecido leitor. Desejo que esta biblioteca seja tão diversa como a não saciada curiosidade que me induziu, e continua a induzir-me, à exploração de tantas linguagens e de tantas literaturas. Sei que o romance não é menos artificial do que a alegoria ou a ópera, mas incluirei romances porque também eles entraram na minha vida. Esta série de livros heterogéneos é, repito, uma biblioteca de preferências.

María Kodama e eu errámos pelo globo da terra e da água. Chegámos ao Texas e ao Japão, a Genebra, a Tebas e, agora para juntar os textos que foram essenciais para nós, percorreremos as galerias e os palácios da memória, como escreveu Santo Agostinho.

Um livro é uma coisa entre as coisas, um volume perdido entre os volumes que povoam o indiferente Universo, até que encontra o seu leitor, o homem destinado aos seus símbolos. Acontece então a emoção singular chamada beleza, esse mistério belo que nem a psicologia nem a retórica decifram. «A rosa é sem porquê», disse Angelus Silesius; séculos depois Whistler declararia «A arte acontece».

Oxalá que sejas o leitor que este livro aguardava.



           

                                                                                                        J.L.B.


/Biblioteca Pessoal, Jorge Luis Borges/

5.2.18

In the Mood for Love




/pintura de Gao Xingjian/

mãe

Fiona Sami

«Gritamos palavras, tesos como falos a fornicar o caos.»

E a própria Paulette acompanhava uma Internacional descabelada com voz de falsete. Divertidos, contentes de viver, e era tudo. Cada um com as suas opiniões obscuras e pessoais, intraduzíveis e mais além.
Muitas vezes fazíamos política a sério, discutindo conjecturas impossíveis, indignando-nos ferozmente com as enormes desigualdades, sem ideias claras, desnorteados, sôfregos, ignorantes. Éramos demasiado verdadeiros para sermos sólidos. Um sofisma nas trombas e ficávamos KO.


/Golpes, Jean Meckert/

4.2.18

Bukowski escreveu ao editor:

«Tenho duas hipóteses — ficar nos Correios e enlouquecer… ou ficar aqui a brincar aos escritores e morrer de fome. Decidi morrer de fome.» 

/a arte subtil de saber dizer que se f*da, Mark Manson/