28.6.15

El Palacio

El Palacio no es infinito.

Los muros, los terraplenes, los jardines, los laberintos, las gradas, las terrazas, los antepechos, las puertas, las galerías, los patios circulares o rectangulares, los claustros, las encrucijadas, los aljibes, las antecámaras, las cámaras, las alcobas, las bibliotecas, los desvanes, las cárceles, las celdas sin salida y los hipogeos, no son menos cuantiosos que los granos de arena del Ganges, pero su cifra tiene un fin. Desde las azoteas, hacia el poniente, no falta quien divise las herrerías, las carpinterías, las caballerizas, los astilleros y las chozas de los esclavos.

A nadie le está dado recorrer más que una parte infinitesimal del palacio. Alguno no conoce sino los sótanos. Podemos percibir unas caras, unas voces, unas palabras, pero lo .que percibimos es ínfimo. Ínfimo y precioso a la vez. La fecha que el acero graba en la lápida y que los libros parroquiales registran es posterior a nuestra muerte; ya estamos muertos cuando nada nos toca, ni una palabra, ni un anhelo, ni una memoria. Yo sé que no estoy muerto.


[Jorge Luis Borges, El Oro De Los Tigres]


20.6.15

 - (...) Eu sei o que isso é. A pessoa procura esquecer, mas não dá resultado. O que tem a fazer é, pelo contrário, acolher com amabilidade os pensamentos desagradáveis.
- Que diz você, Mike?
- Lembre-se de tudo quanto possa, do princípio até ao fim. De cada vez que isso chegue, faça a mesma coisa, sem nada omitir. Depressa tudo se gasta, desaparecendo aos bocados, até nada ficar.

[John Steinbeck, O Inverno do Nosso Descontentamento, ed. «Livros do Brasil» Lisboa]


10.6.15

[Ethan Hawley, em resposta a Mr. Baker, um banqueiro, que quase o apelida de cobarde, por não aplicar as suas economias (na verdade, herança da mulher, porque as suas já as perdeu há muito em investimentos), para deixar de ser empregado na loja, que outrora foi sua.]


«- Os homens não se deixam prostrar. Eles podem bater-se contra grandes coisas. É a erosão que os mata. São atraídos pelos reveses. Pouco a pouco, têm medo. Eu tenho medo. A companhia de electricidade de Long Island pode cortar a corrente. Minha mulher precisa de vestidos. Os meus filhos de sapatos e divertimentos. E imagine que eles não possam estudar? E os pagamentos do fim do mês, o médico, o dentista, a operação às amígdalas. E se, ainda por cima, eu adoecesse e me tornasse incapaz de varrer este passeio? Evidentemente, o senhor não pode compreender. Eu odeio o meu trabalho, e tremo à ideia de perdê-lo.» 

[John Steinbeck, O Inverno do Nosso Descontentamento, ed. «Livros do Brasil» Lisboa]


7.6.15

Pedras são árvores
apenas um pouco
mais antigas

6.6.15




Deve ser terrível enterrar alguém que se ama nos princípios de Maio, quando o solo começa a descongelar e a espreguiçar-se, transformando-se num verde-vivo e o cheiro dos lilases desce em cascatas dos arbustos como uma pequena bênção. Ou em Setembro, quando o sol do meio-dia ainda aquece os rostos, mas as noites são suficientemente frescas para se usar uma camisa de noite de flanela e um cobertor extra puxado para cima a meio da noite.
Ou o Natal. Deve ser horrível no Natal.
Fevereiro é o mês adequado para se morrer. Tudo em redor está morto, as árvores negras e geladas, de maneira que o aparecimento dos rebentos verdes daí a dois meses parece uma coisa inconcebível, o solo duro e frio, a neve suja, o vento odioso, prolongando-se demasiado tempo.

[Anna Quindlen, A Única Verdade, Quetzal, 1999]