21.12.15

«Uma solidão demasiado ruidosa»

I

Há trinta e cinco anos que trabalho com papel velho e é essa a minha love story
Há trinta e cinco anos que prenso papel velho e livros, há trinta e cinco anos que 
me sujo de letras, de tal modo que me pareço com as enciclopédias de que 
durante esse tempo todo devo ter prensado pelo menos três toneladas: sou um 
cântaro cheio de água viva e água morta, basta inclinar-me um pouquinho e
jorram de mim ideias lindas; sou culto independentemente da minha vontade 
e, assim, nem sei bem quais as ideias que são minhas, e saídas da minha cabeça, 
e que ideias li. Foi assim que, durante estes trinta e cinco anos, me liguei a mim 
próprio e ao mundo à minha volta; é que, quando estou a ler, afinal não leio, 
apenas colho com o bico uma bela frase e chupo-a como um rebuçado, 
como se bebericasse um cálice de licor durante muito tempo, até que a ideia 
se espalhe em mim como o álcool; ela dissolve-se em mim tão lentamente 
que penetra não só no meu cérebro e no coração mas pulsa também nas minhas 
artérias até às raízes dos capilares.

Uma Solidão Demasiado Ruidosa, Bohumil Hrabal