30.12.15

um osso

--Ah! Não queria ter a bondade de me dar um osso para o meu cão? - perguntei. - Apenas um osso, não precisa de ter mais nada, só para ele ter alguma coisa que levar à boca.

Deram-me um osso, um ossinho esplêndido, que ainda tinha agarrada alguma carne e que eu meti dentro da sobrecasaca. Agradeci ao homem tão fervorosamente que ele ficou a olhar-me pasmado.

--Não tem nada que agradecer - disse ele.
--Tenho sim, não diga isso - murmurei, - é muita bondade da sua parte.

E voltei a subir. O coração batia-me violentamente.
Entrei furtivamente na passagem Smedgangen o mais fundo que pude chegar e parei diante de um portão deteriorado, junto de um pátio traseiro. Não se via qualquer luz em parte alguma, à minha volta estava escuro, felizmente. Pus-me a roer o osso.

O osso não sabia a nada, mas soltava um cheiro áspero a sangue e tive de vomitar logo a seguir. Tentei de novo. Se ao menos conseguisse aguentá-lo no estômago, faria decerto algum efeito; tratava-se de lograr que se mantivesse lá dentro. Mas voltei a vomitar. Zanguei-me e mordi a carne com brusquidão, arranquei um pedacinho e engoli-o violentamente. Não me serviu de nada; assim que as migalhinhas de carne tinham aquecido no estômago, lá vinham elas para cima outra vez. Cerrei os punhos com louca exasperação, desatei a chorar desamparado e roí como um possesso. Chorei, vi o osso ficar molhado e sujo pelas lágrimas, vomitei, praguejei e voltei a roer. Em voz alta amaldiçoei todos os poderes do mundo e mandei-os para o Inferno.


Fome, Knut Hamsun, cavalo de ferro, p. 178.