5.12.15

Piccolino, meu pequeno, que nasceste tão velho, como todos os anões.

Fiquei ali nu, desarmado, sem mais poder do que espumar de raiva. E a alguns passos de mim, impassível, ele pôs-se a estudar-me, a observar a minha deformidade com uma frieza implacável. Vi-me entregue sem defesa ao seu olhar cínico, que se apoderava da minha pessoa como se eu pudesse ser propriedade sua. Ser assim exposto aos olhos de outrem pareceu-me de um tão grande aviltamento, que ainda sinto a vergonha de o ter suportado. Recorda-me sempre o ruído que fazia no papel o seu lápis de prata, o mesmo talvez com que ele desenha as cabeças dissecadas dos criminosos e tantas outras abomináveis coisas. O seu olhar estava transformado, penetrante como a ponta duma faca, e dir-se-ia que ele me atravessava. 
Nunca odiei tanto os homens como nessa hora horrível. O meu ódio exerceu uma tal acção em mim que me julguei prestes a desmaiar. Por momentos, tudo escureceu diante dos meus olhos.

O Anão  - Pär Lagerkvist - Antígona Editora