23.12.15

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Os pequenos presentes que tinham trazido eram distribuídos pela aldeia: tesouras, ferramentas, medicamentos, plantas, peças de tecido, lingotes de metal, bebidas, armas de fogo e instrumentos musicais, e só depois tinha lugar uma grande festa com banquete.

Mas só na manhã do dia de Natal é que a Avó e as crianças recebiam os presentes especiais que lhe tinham sido trazidos pelos tios; e esta oferta obedecia sempre ao mesmo cerimonial.

O Tio Mark ficava atrás da cadeira da Avó a tocar uma pequena flauta que tinha adquiridos algures durante as suas viagens; era feita de madeira polida, escura e maciça, com orifícios em prata e o bocal em âmbar. O Tio Mark tocava sempre a mesma melodia nestas alturas, muito suavemente. Era uma melodia que tinha ouvido pela primeira vez, dizia ele, quando ainda era muito jovem, numa altura em que escapara por pouco de cair numa fenda da encosta, e uma voz lhe tinha falado, ou assim lhe parecera, das entranhas da própria montanha, alertando-o para ver onde punha os pés e para ter cuidado, já que a família dependia dele. Era uma melodia doce e suave, que lembrava a Sandri, a neta do meio, os sons primaveris: o vento cálido, a neve derretida a pingar dos espigões do telhado, os pássaros e os seus chamamentos de acasalamento.

Enquanto o Tio Mark tocava a flauta, o Tio Emer entregava os presentes à Avó. E ela - e aqui está a parte estranha - ela, que era totalmente cega durante todo o ano, que nem conseguia ver a própria mão à frente da cara, pegava no objecto com os dedos e identificava-o no mesmo instante.
--Um pente de madrepérola com tachas de prata, para a Tassy... vem da Babilónia. Um xaile de seda azul e rosa, da Índia, para a Argila. Um jogo de madeira, com cavilhas de marfim, para o pequeno Emer, de Damasco. Um broche de ouro, de Hangku, para a Grippa. Um livro de rimas, de Paris, para a Sammle, com encadernação de couro escarlate.

(cont.)