20.9.15

Se nos picarem, não sangraremos?*

passeamos em tours pelos campos de Auschwitz ou Belzec, de lágrima no canto do olho, vemos Adrien Brody, quase cadáver, rebaixado à condição animal, fuçando no lixo, mas ainda assim, tocando piano pelas mãos de Deus. acalentamos o ímpeto bondoso que trazemos no coração, lendo Primo Levi e transcrevendo algumas passagens. somos bons, somos intrinsecamente bons, repudiamos os nazis assassinos e estamos sempre do lado dos judeus, os mais fracos. não permitiremos que algo do género se repita sob os nossos olhos, garantimos aos nossos filhos. que nenhum ser humano voltará a ser usado como objecto ou mercadoria. somos bons. melhores de que todos os outros, é isso que murmuramos quando apagamos a luz, antes de dormir. da cobardia, da malvadez, do desinteresse, que cuidem os fantasmas.


[*O Mercador de Veneza, de Shakespeare, citado no filme O Pianista]