18.9.15

Montedor

Apago a lamparina e sento-me à janela a fumar, olhando o rio a perguntar-me, sem ponta por onde pegue. Ir? Mas para onde? Para quê? O mais certo é agarrar-me à loja, ficar, sem perguntas, ser pai. O sonho, as grandezas? Enterrado. Paris? Quando o sogro esticar a bota, a mulher pendurada no braço e o fedelho. Eu que me via a dar cartas, pintando o futuro, correndo o mapa! A acreditar que há mais marés que marinheiros. Tretas. A maré não vem, faz-se, questão de saber com que manhas.

Quem te prendia? Havias de ver que não te corriam à perna, de certeza contentes de se verem livres de ti. Mesmo agora, quem te pega? As lérias dele? Se fazes a trouxa e sais porta fora, julgas que te segura? Desengana-te. O mal é que não tens trouxa e não se vai pelo mundo sem ela. É como se te fechassem a cadeado, e ele sabe-o melhor que tu, à espera que venhas ao rego, que percas a tesura.

Bom fim para tanta grandeza. Lábia, lábia! Pega na caixa, seis contos e duzentos, contados diante de ti antes da ceia, e ele com medo do escândalo não se queixa. Palavreado. Há os que passam e os que vêem passar. Tu vês passar. Pior: ficas de pedra e cal atrás do balcão. De lá é que hás-de enxergar os que não são de meias medidas, nem tomam por atalhos.

[Montedor, p. 155/156]