15.9.15

Agosto de 1910

Aos 23 do mês passado morreu meu pai amachucado, exausto e pobre. Encontrão dum, repelão de outro, assim foi até à cova. Tinha 67 anos incompletos. Não podia mais. Encontraram-lhe alguns cobres no bolso. Há muitos anos que se arrastava, e só tinha de seu uma alegria e um repouso: os domingos. Aos domingos metia-se no quarto, calçava uns chinelos, e toda a tarde chorava lágrimas sem fim sobre um velho romance de Camilo. Minha mãe pouco mais durou, com um olhar de pasmo. Lá ficou a velha casa abandonada...
Sobe a lua no céu, e a sombra no monte. Seis árvores, quatro paredes – tudo aqui me enche de saudades. A bica continua a correr, mas outras sedes se apagarão naquela água. Outros virão também sentar-se no banco de pedra... Só me resta a tua mão querida, que a meu lado segura a minha mão. Os mortos chamam por nós cada vez mais alto... Olho para ti e os teus primeiros cabelos brancos fazem-me chorar.

[Memórias]