17.8.19

"um não-romance"

A Morte de Assafora

Prólogo

__________ prendeu a cabra a um castanheiro que se via da janela
mas estava longe; a cabra não deixava de se ouvir e, mesmo depois
do pôr do sol, balia; disse que ia cortar-lhe o som, e dirigiu-se
para ela com a mão direita e uma faca; o pêlo agitou-se sem balir, e
ficou a sangrar; mais nenhum ruído atravessou o nosso sossego,
mas uma segunda língua, com parte no céu-da-boca, principiou a
nascer-lhe, e foi ela a voz.

O lugar da intersecção da língua arrancada com a outra língua
transparente é herança da rapariga que temia a impostura da língua.
Por isso, eu tenho de encontrá-la, e trazê-la para fora da sua nostal-
gia infinita. E não só. Da intersecção das duas línguas — a que se
ouvia balindo, e a que nasceu do sangue — voou o Falcão, ou
Aossê* feito ave.


|Um beijo dado mais tarde, Maria Gabriela Llansol| 


*Fernando Pessoa Llansoliano



De Maria Gabriela disse Eduardo Lourenço que seria "o próximo grande mito literário a seguir a Fernando Pessoa". Infelizmente, não acredito, a sua leitura exige tempo e espaço, ambos escassos, no momento actual e, vaticino, no futuro que se avizinha.