27.10.18

O Matadouro

Eu tinha oito anos, oito anos e meio. A França acabava de ganhar, depois de Félix Faure, um novo Presidente da República, o senador Émile Loubet. Eram férias da Páscoa. O feliz eleito, como brinde pelo alegre advento, concedeu-nos mais um dia feriado. Foi nesse dia que, saltando de cima de um celeiro para vender o desafio de um colega, quebrei uma perna.
Os médicos, nesses tempos distantes, em vez de engessarem em série os coxos dos desportos de inverno, procediam à silicatização das pernas partidas. Quer dizer, após a fractura ter sido atenuada, envolvem a perna lesada com uma espessa camada de algodão, depois enrolam uma ligadura abundantemente embebida numa solução de silicato de soda. Este invólucro, quando seca, torna-se duro como um calhau, como sílex. Chegado o momento de o retirar, não era uma tarefa fácil. Era necessário cortá-lo, penosamente, com uma grande tesoura, e como era sólido! No meu caso, o que se viu aparecer, depois desse trabalho árduo, foi uma lastimável pernita, completamente definhada, magra e pálida como uma endívia. Oh, Oh, disse o médico. Vai ser preciso fortalecê-la. O que falta a este pequeno são banhos de sangue, de sangue fresco. Para isso tem de ir ao matadouro.
Na realidade, deveria ter dito escaldadouro. Todos os açougueiros das cidadezinhas, nessa altura, faziam as suas próprias matanças nos seus escaldadouros particulares. Era um celeiro ao fundo do pátio, com o chão parcialmente cimentado. Mesmo lá ao fundo adivinhavam-se alguns estábulos na sombra. Era para ali que eu ia.
O homem do talho chamava-se Parendeau. Pusera ali uma cadeira para mim. Sentava-me nela muito bem comportado. No fundo do seu recinto o animal mugia já: alguma vaca, vazia de leite ou estéril, engordada para o talho. Mugia muito, lugubremente; pressentia a morte, eu sabia-o, sabia-o até nas minhas entranhas. O homem içava-a na ponta de uma corda, eu escutava o passo insubmisso, os cascos resistindo um a um, que se fincavam a cada puxão, procurando escorar-se de qualquer maneira. Eu desviava o olhar, observava as traves lá em cima, os falsos veios de mármore, nas paredes devoradas pelo salitre.
Entretanto, o açougueiro passava a corda por dentro de uma argola presa solo. E puxava. A cabeça da vaca inclinava-se, inclinava-se até tocar no comente com o focinho. (...)

/Terno Bestiário, Maurice Genevoix/