15.4.18

Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola


«Porque é que ‘tão a olhar para mim?
Não vim para ficar…»

Não é que me tivesse propriamente esquecido, não conseguia era lembrar-me. Havia outras coisas mais importantes.

«Porque é que ‘tão a olhar para mim?
Não vim para ficar…»

Se me conseguia lembrar do resto do poema ou não era irrelevante. A verdade daquela afirmação era como um lenço amassado, encharcado nos meus punhos, e quanto mais cedo aceitassem isso, mais depressa eu poderia abrir as mãos e deixar o ar arrefecer-me as palmas.

«Porque é que ‘tão a olhar para mim…?»

Os meninos da ala infantil da Igreja Metodista Episcopal de Pessoas de Cor contorciam-se de riso por causa do meu proverbial esquecimento.
Levava um vestido de tafetá alfazema e, sempre que inspirava, o tecido restolhava e, como eu estava a sorver ar e a expirar vergonha, o ruído fazia lembrar o papel crepe que se usa na traseira dos carros funerários.
Enquanto observava a Mãezinha a pôr folhos na bainha e umas preguinhas bonitas na cintura, soube que, assim que o vestisse, iria parecer uma estrela de cinema. (Era de seda, o que compensava a cor horrorosa.) Eu ia parecer uma daquelas meninas brancas e graciosas, que encarnavam tudo o que havia de bom no mundo, o ideal de toda a gente. Delicadamente pousado em cima da máquina de costura Singer preta, o vestido era mágico, e, quando as pessoas me vissem com ele, viriam ter comigo a correr e diriam: «Marguerite [às vezes, era “querida Marguerite”], por favor perdoa-nos, não sabíamos quem eras», e eu responderia, generosamente: «Não, não podiam saber. É claro que vos perdoo.»


/Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola, Maya Angelou/