7.4.18

Na Memória dos Rouxinóis

1.

Nasceu para ser um número primo


Jorge Rousinol nem sempre foi Jorge Rousinol. Até 5 de agosto de 1945, era o Sete, um número primo.
Jorge foi o sexto neto a nascer e o avô Rousinol, matemático galego próximo de Franco, apenas decorou o nome dos primeiros cinco. Quando Jorge nasceu, desperto e sem chorar, fitou o avô com os seus olhos cinzento-espelho, que, até aos dias de hoje, pareciam as águas de duas bacias que devolvem ao mundo o que o mundo lhes dá, mas num tom mais sombrio -- ou, como Jorge dirá, mais realista.
O avô viu-se refletido nos olhos do neto e, talvez pelo seu narcisismo, concedeu que seis era pouco para a importância absoluta daquele recém-nascido. Saltou um algarismo e atribuiu-lhe a posição sete, um número primo. Sinal de reconhecimento de que este era apenas divisível por ele próprio ou pela unidade. Traço de personalidade que cedo se manifestou em Jorge Rousinol: não ter outro divisor natural, ser ele a única referência do seu sistema de medida.


 /Na Memória dos Rouxinóis, Filipa Martins/