17.12.16

A Mulher da Esfrega

25 de Março

Do sonho que revolve o mundo cabe também uma parte à mulher da esfrega. Arrasta tudo consigo. Cai o Inverno dentro da Primavera. Engrandece-a, espalma-lhe os pés, esfarrapa-lhe os vestidos.
Está aqui a figura – está aqui outra coisa. Muda de expressão, como se fosse possível as lágrimas usarem por dentro figuras humanas, como a chuva ou os passos gastam a pedra. Aquilo dura um momento, transparece um minuto, mas esse minuto chega. Logo à submissão e à humildade se mistura um nada de entontecimento. Quase nada. Trouxe sempre consigo debaixo do xaile um resto de sonho amargo. Remoeu-o transida de frio pela vida fora, quando fez recados, aqueceu a água e rachou a lenha. É um nada e ampara-a. Atreve-se... Toda a gente precisa de qualquer estonteamento para suportar a vida. Sonho gasto que andou por todos os caminhos, com pés espalmados como recoveira. Há sonhos humildes que ninguém quer sonhar: servem à Joana que quando os usa os vira do avesso.

/Húmus, Raul Brandão/