19.12.15

«Reúnem-se os pássaros»

Bem-vinda sejas, ó Poupa! Ó tu, que foste guia do rei Salomão e o verdadeiro mensageiro do vale, que tiveste a boa fortuna de chegar aos confins do reino de Sabá! Foi deliciosa a tua fala gorjeada com Salomão; por teres sido sua companheira, foi-te imposta uma coroa de glória. Apenas precisas de pôr a ferros o demónio, o tentador, e, feito isso, entrarás no palácio de Salomão.

Ó Lavandisca, que te pareces com Moisés! Levanta a cabeça e faz soar a charamela, para celebrar o verdadeiro conhecimento de Deus. Como Moisés, viste o fogo ao longe; és, de facto, um pequeno Moisés no monte Sinai. O meu discurso é sem palavras, sem língua, sem som; compreendo-o, pois sem mente, sem ouvido.

Bem-vindo sejas, ó Papagaio! São belos o teu manto e o teu colar de fogo: o colar ajusta-se ao habitante do mundo inferior, mas o manto é digno do Céu. Pôde Abraão livrar-se do fogo de Nimrod? Desfaz a cabeça de Nimrod e faz-te amigo de Abraão, que era amigo de Deus. Quando te tiveres libertado das mãos de Nimrod, veste o manto de glória e não temas o colar de fogo.

Bem-vinda sejas, ó Perdiz! Ó tu, que andas com tanta graça e te comprazes no voo sobre as montanhas do conhecimento divino! Ergue-te em alegria e pondera os benefícios do Caminho. Bate com o martelo na porta da casa de Deus; e derrete, humilde, as montanhas dos teus desejos perversos para deixar sair o camelo.

Saudações, ó Falcão Real! Ó tu, que tens a vista penetrante, quanto tempo permanecerás assim, violento e apaixonado? Finca as tuas garras na letra do amor eterno, mas não rompas o selo enquanto não for chegada a eternidade. Mistura o espírito à razão e vê a eternidade anterior e a posterior como uma única. Quebra a tua vil carcaça e instala-te na caverna da unidade; Maomé irá então ter contigo.

Saudações, ó Codorniz! Quando ouves no teu espírito o alast (4) do amor, o teu corpo de desejo responde: balé (5), com desprazer. Como o Messias, inflama-te com o amor do Criador. Queima esse burro e acolhe o pássaro do amor, para que o Espírito de Deus possa chegar felizmente a ti.

Saudações, ó Rouxinol do jardim do Amor! Projeta as tuas notas plangentes, filhas das feridas e das dores do Amor. Resgata ao coração meigos lamentos, como David. Franqueia a tua garganta melodiosa e canta as coisas do espírito. Mostra aos homens, com as tuas canções, o verdadeiro Caminho. Funde, como cera indolente, o duro ferro do teu coração e serás como David, ardente no amor a Deus. 

Saudações, ó Pavão do jardim das Oito Portas (6)! Tu te afligiste por causa da serpente de sete cabeças, por cujo intermédio foste expulso do Éden. Se te livrares da cobra detestável, Adão te levará com ele ao Paraíso. Saudações, ó excelente Faisão! Tu vês o que está muito longe e percebes o manancial do coração imerso no oceano de luz enquanto permaneces no poço da escuridão e na prisão da incerteza. Deixa o poço e ergue a cabeça para o trono divino. 

Saudações, ó meiga Rolinha, voz de doce arrulho! Saíste contente e voltaste, com a tristeza no coração, para uma prisão tão estreita quanto a de Jonas. Ó tu, que vagueias para lá e para cá como um peixe, podes perder forças com malevolência? Corta a cabeça desse peixe para que possas alisar as tuas penas nos píncaros da Lua. 

Saudações, ó Pombo! Entoa as tuas notas para que eu possa espalhar à tua volta sete medalhas de pérolas. Visto que o colar da fé te envolve o pescoço, não te ficaria bem ser infiel. Quando entrares no caminho da compreensão, Khizr (7) te trará a água da vida. 

Bem-vindo sejas, ó Falcão! Tu, que alçaste voo e, depois de te rebelares contra o teu amo, curvaste a cabe- ça! Aguenta-te convenientemente. estás preso ao corpo deste mundo e, assim, longe do outro. Quando estiveres livre dos mundos, descansarás na mão de Alexandre. 

Bem-vindo sejas, ó Pintassilgo! Vem com alegria. Anseia por agir e vem como o fogo. Quando desfizeres os teus vínculos, a luz de Deus mais ainda se manifestará. Visto que o teu coração conhece os Seus segredos, sê fiel. Quando te houveres aperfeiçoado deixarás de existir. Mas Deus subsistirá.




__________________
4 Primeira palavra da passagem do Alcorão: «Não sou eu o vosso Senhor?» (VII, 171). 
5 Sim. 
6 As portas do Céu. Possível referência aos «oito paraísos», ou «lugares da perfeita felicidade», de que fala o Alcorão.
7 Al-Khizr (o Verde). Homem-santo do Islão.