16.10.15

barcos-casas

Certo dia de manhã encontrei na caixa do correio uma ordem da polícia do rio para me mudar. Esperava-se a visita do Rei de Inglaterra e não era agradável para um rei a vista de barcos-casas, a roupa a secar no convés, as chaminés e os depósitos de água ferrugentos, as pranchas escamoteadas e outras flores humanas nascidas da pobreza e da preguiça. Mandavam-nos, portanto, sair a todos, subir o Sena, ninguém sabia para onde porque a linguagem era demasiado técnica.
Um dos meus vizinhos, um ciclista zarolho, chegou a discutir as desocupações e a invocar leis que jamais tinham existido e que davam às casas fluviais direito de se fixarem, lodosas, no coração de Paris. O pintor gordo que viva no lado oposto do rio, sempre de camisa desabotoada e a transpirar, sugeriu que não nos mudássemos, como forma de protesto. Que podia acontecer?

Anais Nin, Debaixo de uma redoma