25.1.15

O Último Leitor

Aviso todo aquele que escutar as palavras da mensagem profética deste livro: se alguém lhe acrescentar alguma coisa, Deus acrescentar-lhe-á as pragas aqui descritas. E se alguém tirar palavras deste livro de profecia, Deus tirar-lhe-á a sua parte da árvore da vida e da cidade santa, descritas neste livro. A redacção parece-lhe desajeitada, com repetições evitáveis; relê em silêncio e só então ergue o olhar. A terceira senhora fala-lhe dos riscos que a sua alma corre por andar modificar frases sagradas e expressa alguns argumentos que Lucio já não ouve; tem a cabeça na passagem bíblica. Qual a razão daquela advertência? Qual o motivo daquela mensagem que nenhum escritor se atreveria a dirigir ao seu editor? Nem sequer um poeta com o ego dilatado por um prémio Pavlov. Uma vírgula, um acento, e acabarei contigo, tirar-te-ei a árvore. Que feitio tem este autor da Bíblia, dizia para si. As senhoras proferem uma ameaça e saem do local. Lucio continua uns segundos absorto naqueles versículos. Retrocede uma página para ler o princípio do capítulo. Depois o anjo mostrou-me um rio de água da vida, transparente como um cristal... Transparente como um cristal?, questiona Lucio, não conhece símile mais vulgar, talvez o de alguns narradores nórdicos que falam em rostos brancos como a neve sem pensar nas pessoas do deserto que jamais viram nevar. Passa as páginas para trás até chegar ao primeiro capítulo do Génesis. No princípio Deus criou os céus e a terra. Abana a cabeça. Qual a necessidade de esclarecer que o princípio é o princípio? Risca as duas primeiras palavras e lê em voz alta: Deus criou os céus e a terra. Muito melhor, diz.

[O Último Leitor, David Toscana, Oficina do Livro, p. 145/146]
itálico meu, apenas para facilitar a leitura