11.12.14

Poesia, escombros e nada

4.
A poesia é a respiração intensa. É a capacidade de sustermos a respiração quando mergulhamos em águas densas. Só se respira livremente e sentimo-nos salvos no fim do poema. É assim comigo. Escrevo um poema como se entrasse num espaço reduzido e moldado pelo meu próprio pensamento. Não há margens por onde possa escapar. A escrita de poesia exige-me que mergulhe debaixo dos escombros emocionais e retire somente aquilo que irá representar o mundo que me propus interpretar. É como se tivesse de me alimentar com a minha própria fome. Eu nunca digo: vou escrever um poema. Como um suicida não revela: hoje é um bom dia para me suicidar. É-se convocado. O poema já existe, da mesma forma que o fim do suicida lhe está destinado. O acto poético consiste em procurar e descobrir o poema que já existe. Mas até para isso é preciso coragem.

[Fernando Esteves Pinto, revista digital A Sul de Nenhum Norte MAL DITA]